Ana Javes Luz : PL 2.431/2015 e a defesa da comunicação pública e da memória política

Neste texto, Ana Javes Luz, jornalista e doutoranda Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul faz uma reflexão sobre a necessidade de preservação da comunicação governamental em sites oficiais, partindo de sua pesquisa acadêmica e da tramitação, no Congresso Nacional, de legislação sobre o tema.
O Projeto de Lei n° 2.431/2015, de autoria da deputada Luizianne Lins (PT-CE) e atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, propõe caracterizar como conduta ilícita a ação do gestor público que autorizar ou for negligente diante da subtração da “produção comunicacional em sua formatação e estilo original, incluindo acervo fotográfico, audiovisual, de áudio e de texto” dos sites oficiais. O PL tem como objetivo proteger e garantir acesso público, a qualquer tempo, aos arquivos da comunicação produzida pelo Estado brasileiro. Aprovado por unanimidade na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara, em dezembro de 2015, o projeto acaba de receber parecer contrário do relator indicado pela Comissão de Cultura (CCULT), deputado Evandro Roman (PSD-PR), que sugere sua rejeição.
Segundo o parecer do deputado, que ainda não foi votado pela CCULT e  pode ser recusado, a proteção dessas informações já estaria assegurada pela Lei de Acesso à Informação (LAI). No entanto, não parece ser o caso. No Brasil, o apagamento dos arquivos da comunicação governamental nos sites oficiais tem sido prática recorrente, como aponta a pesquisa de mestrado que concluí na Universidade Federal do Rio Grande do Sul[1], em 2016.
Na pesquisa, demonstrei que em mais de 30% dos sites oficiais das 27 capitais brasileiras já não são encontrados nenhum registro de notícias, campanhas publicitárias, publicações, fotos ou outros produtos derivados da comunicação oficial empreendida por governos passados. A prática, que em sua maioria ocorre após a troca de governantes, atenta diretamente contra o interesse público, o direito à informação e à memória.
Ocorre que, em grande parte da literatura sobre direito à informação, no Brasil e em outros países do mundo, o foco do debate ainda está voltado para os documentos administrativos (CEPIK, 2000), isto é, os contratos, editais, peças orçamentárias, diários oficiais e similares. Quando se trata de arquivos de natureza distinta da dita “legal”, como os derivados das atividades da comunicação governamental, não há, ainda, marco legal no Brasil que assegure sua preservação. É necessário, portanto, ampliar o entendimento sobre a informação governamental que deve ser preservada e disponibilizada para acesso presente e futuro.
A comunicação governamental aborda, através das notícias, campanhas publicitárias, publicações, registros fotográficos e audiovisuais, os posicionamentos do poder político sobre suas ações administrativas, as políticas públicas implementadas, as transformações geradas nos locais governados e na vida dos cidadãos. É a principal forma de dar visibilidade e transparência aos atos de governo, além de estreitar o diálogo entre Estado e sociedade. Pelo acompanhamento cotidiano das ações das administrações públicas, seus arquivos constituem parte importante da memória da democracia brasileira.
Nesse cenário, os sites oficiais se consolidaram como espaços privilegiados de armazenamento e difusão de conteúdo. Especialmente em virtude dos produtos de comunicação serem hoje, em sua maioria, arquivos que nascem e existem unicamente em formato digital. Além disso, em face do desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação, os custos de processamento e armazenamento de dados digitais em grande escala na internet tem reduzido substancialmente. E é essa realidade que nos permite falar na preservação da comunicação inserida na rede. Um debate urgente, pois ao mesmo tempo em que internet favorece a difusão de conteúdo, também facilita seu apagamento.
O Estado brasileiro não pode negligenciar o caráter público e patrimonial da sua comunicação, prevista constitucionalmente como dever do Estado e direito dos cidadãos. Seja pelo envolvimento de consideráveis recursos humanos e financeiros para sua concretização; seja pela importância desses registros para a memória social e política da nossa democracia, a comunicação governamental deve ser tratada como um patrimônio que não pode ser destruído.
 
Ana Javes Luz
Jornalista, doutoranda em Comunicação e Informação (UFRGS) e coordenadora executiva do Observatório da Comunicação Pública
Referências:
CEPIK, Marco. Direito à Informação: situação legal e desafios. Informática Pública, vol. 2, Issue 2, p. 43-56, 2000.
LUZ, Ana Javes. Comunicação pública e memória das cidades: a preservação dos sistemas de comunicação nos sites das capitais brasileiras. 2016. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Informação). Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2016.
Saiba mais sobre o PL 2.431/2015: acompanhe a tramitação do projeto na Câmara dos Deputados
[1] Dissertação de mestrado intitulada “COMUNICAÇÃO PÚBLICA E MEMÓRIA DAS CIDADES: a preservação dos sistemas de comunicação nos sites das capitais brasileiras”, defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS). O estudo diagnosticou o estágio de preservação da comunicação governamental nos sites das 27 capitais brasileiras, focando no período de 2009 a 2016, a fim de compreender sua implicação para a constituição da memória coletiva, social e política das cidades governadas e de seus habitantes. A pesquisa está disponível aqui.
 
Fonte: OBCOMP

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