Campanha permanente, desinformação e o impacto na Comunicação Pública

Por Agnaldo Montesso*

“A eleição do ano que vem já começou”. A frase, repercutida em vários veículos de comunicação no dia 20 de janeiro, foi proferida pelo presidente da República na primeira reunião ministerial do ano de 2025. O contexto: a crise de comunicação ocasionada por uma normativa da Receita Federal em relação ao PIX, uma das mais populares formas de pagamento atualmente no país.

O presidente enfatizou ainda que a oposição já havia iniciado a campanha para as próximas eleições, já que “[…] é só ver o que vocês assistem na internet, para perceberem que eles já estão em campanha. E nós não podemos antecipar a campanha porque nós temos que trabalhar”.

A crise do PIX ilustra como a lógica do conceito de campanha permanente contamina o debate público. Em vez de uma comunicação voltada ao esclarecimento da medida, a disputa ocorreu no campo das estratégias eleitorais, onde cada lado buscava reforçar sua base de apoio e minar a credibilidade do adversário.

A campanha permanente denota uma comunicação constante dos atores políticos voltada para a busca incessante de visibilidade e manutenção de uma imagem favorável frente à opinião pública em períodos de mandato.

Na literatura internacional, a referência mais recorrente ao início do uso do termo está presente em um memorando enviado em 1976 pelo relações públicas Pat Caddell ao presidente norte-americano recém-eleito Jimmy Carter. O profissional afirmava que “governar com aprovação popular exige uma campanha política contínua”.

O PIX, devido à relevância e à popularidade como forma de pagamento digital, faz com que o tema seja sensível. De acordo com o Banco Central, os brasileiros movimentaram R$ 26,455 trilhões em transferências feitas via Pix ao longo de 2024. Foram 63,51 bilhões de operações utilizando a ferramenta de pagamento em um país com 212,5 milhões de habitantes. Portanto, qualquer tentativa de regulação despertaria reação popular.

Diante da crise de comunicação gerada pela normativa relacionada ao sistema de pagamentos instantâneos, percebeu-se que o interesse público foi preterido pelas narrativaspolíticas, principalmente aquelas voltadas a descredibilizar o outro lado da disputa e trazer a desorientação para a sociedade. 

A desinformação se espalhou pelas plataformas de mídia social. O fenômeno tem o intuito de manipular comportamentos e opiniões para obter vantagens políticas ou econômicas por meio de tentativas deliberadas e orquestradas. Para Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, a estratégia comunicacional “conduz à mentira, à ignorância dos fatos, ao apagamento da realidade e ao negacionismo”.

A comunicação do governo falhou em não antecipar e esclarecer os impactos da normativa da Receita Federal. Ao adotar um tom informal nas mídias sociais, como fez o Banco Central e o presidente Lula, e ao reagir tardiamente à onda de desinformação, a administração federal não conseguiu estabelecer uma narrativa clara e confiável.

Por outro lado, enquanto escrevo, o vídeo postado em 14 de janeiro de 2025 e apontado como uma das principais causas da desconfiança da população quanto à medida do Governo Federal, contava com mais de 325 milhões de visualizações, 8,8 milhões de likes e 874 mil comentários. Números apenas de uma plataforma de mídia social, o Instagram. E também apenas em um perfil, o do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), responsável pela gravação.

O artifício utilizado não é novo na comunicação política. O deputado buscou descredibilizar o governo federal utilizando promessas da campanha de 2022 e que não obtiveram êxito, citando a picanha e a taxação da blusinha. A intenção era gerar desconfiança, reforçada por elementos semióticos, como o fundo escuro e as roupas pretas do parlamentar. Essa é uma das facetas da desinformação, pois o conteúdo não informou e sim causou dúvida, provocando confusão, falsidade e falsificação. 

As mídias sociais priorizam o engajamento, não a precisão das informações. A estratégia desinformativa alcançou seu objetivo. A Agência Brasil noticiou que o volume de transações de 1º a 15 de janeiro de 2025 caiu 13,4% em relação a dezembro de 2024. 

Presenciei a repercussão do caso ao ouvir um cliente e uma comerciante falando sobre o assunto no final de janeiro. “Nunca vi tanto dinheiro em espécie na minha vida. Desde que abrimos, a maior parte das compras eram por cartão e depois por PIX”. O relato feito pela proprietária de um mercadinho de bairro em uma cidade no interior de Minas Gerais ilustra bem a situação. “Isso durou uns dois dias, mas logo o Lula voltou atrás e o pessoal voltou a pagar como era antes”, complementou. 

Ao não conseguir estabelecer uma comunicação transparente com a população, a administração federal teve que revogar a portaria, apenas um dia após em que o conteúdo desinformativo viralizava nas plataformas de mídia social. Pesquisa realizada pela consultoria Quaest apontou que 88% das pessoas consultadas tomaram conhecimento do debate sobre o PIX e 67% acreditaram que o governo pretende cobrar impostos sobre o PIX.

No mesmo período, tomava posse o novo ministro da Secretaria de Comunicação do Governo Federal, o publicitário Sidônio Palmeira, que atuou na campanha presidencial e que trabalharia para que a população pudesse ver as virtudes do governo. Campanha permanente ou Comunicação Pública?

Enquanto a Comunicação Pública busca a transparência das instituições de governo, o foco no cidadão ao conceber conteúdos de interesse público e a participação da sociedade, a campanha permanente subverte esses princípios. Pesquisadores da área de comunicação política apontam que a campanha permanente traz impactos maléficos para a democracia. Um deles é afetar a capacidade dos cidadãos de tomarem decisões conscientes, já que gera uma constante disputa de retóricas entre governo e oposição, na qual cada lado tenta manipular a percepção pública. Ao utilizar estratégias de desinformação, isso pode gerar desconfiança nas instituições democráticas.

Após um longo período ditatorial, o Brasil promulgou em 1988 uma nova Constituição. Um dos princípios da carta magna é a impessoalidade. De acordo com o Guia de Comunicação Pública editado pela ABCPública, associação que agrega profissionais das mais diversas esferas do poder público, o princípio constitucional tem o intuito de “impedir privilégios e não usar as realizações como pessoais, ou seja, uma obra, ou uma política pública não devem ser atribuídas à pessoa física do político ou do agente público, mas à pessoa jurídica do Estado, do órgão a qual está submetido”. Ainda segundo a constituição, a comunicação deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social e que não caracterize promoção pessoal de autoridades.

A crise gerada pelo PIX evidencia a relevância da Comunicação Pública na democracia. Em um contexto de desinformação, em que as narrativas políticas são impulsionadas pelas plataformas digitais, ​​​​o interesse público é capturado e desnaturado por interesses escusos que buscam se apropriar privadamente do poder público.​​

Para reverter esse cenário, é essencial substituir a retórica de confronto por uma comunicação baseada em dados, transparência e diálogo com a sociedade. Além disso, políticas que regulamentem o alcance de conteúdos enganosos nas mídias sociais podem ajudar a mitigar os efeitos negativos da campanha permanente.

Texto publicado originalmente no Jornal da USP em 11/03/2025, disponível em: https://jornal.usp.br/?p=864115.


*Doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo. Mestre em Administração Pública pela Universidade Federal de Alfenas. Pós-graduado em Gestão Estratégica de Negócios pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas e em Comunicação Empresarial pelo Centro Universitário de Belo Horizonte. Jornalista profissional graduado pela Universidade Federal de Viçosa. Atualmente, é diretor regional da Associação Brasileira de Comunicação Pública em Minas Gerais e integra o grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade, vinculado à Escola de Comunicações e Artes e ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. E-mail: agnaldomontesso@usp.br. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4258388634866791.

 

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