A Comunicação Pública ainda sofre de muito desconhecimento, pela população e até pelos comunicadores. Como consequência do desconhecimento surge também algum preconceito.
É fato que a Comunicação Pública nasce para se contrapor à excessiva privatização dos fluxos de informação. Mas isso não significa que ela tenha que ser estatal. Porém, o fato dela não ser estatal, não significa dizer que ela prescinda totalmente do poder estatal. As principais iniciativas de Comunicação Pública no mundo nascem estatais e permanecem tendo aportes estatais – BBC, Deutsche Welle, TV France, RAI, NHK – e não há quem ouse hoje dizer que essas são emissoras apenas estatais, no sentido de totalmente controladas pelo Estado e volta a atender apenas seus interesses.
Também não é verdade que não se possa ter comunicação estatal de caráter público. Quando focada na prestação de serviço ao cidadão, a comunicação estatal é pública. Em resumo, o campo é tomado de sobreposições e divisores tênues, que exigem uma reflexão bem mais profunda sobre o seu fazer, seus potenciais e suas limitações. As reflexões sobre o caráter público da comunicação têm sido mais eloquentes na área do jornalismo. A própria deontologia [conjunto de deveres profissionais] da profissão assim exige. Jornalismo enviesado não é jornalismo. Mas já não é dogma em nenhuma redação que a isenção total é algo inalcançável. É meta a ser perseguida.
E é por isso que um outro conceito se torna fundamental: pluralidade. Se se abster por completo das visões de mundo é impossível, garantir que o maior número de visões sejam representadas é caminho para equilíbrio necessário ao conteúdo jornalístico. Porém, como garantir isso? Quem guarda os guardiões? Um instrumento cada vez mais em voga são os conselhos editoriais ou curadores, necessariamente plurais. Mas eles funcionam? Como fazê-lo? Essas são reflexões urgente que propomos ao campo.
Mas um grande desafio do campo público é ampliar o debate para além da área do jornalismo. A publicidade de caráter público é uma área de enorme potencial a ser explorada. Uma das discussões necessárias, e que começa a ganhar corpo na publicidade, é o seu papel de combater e não perpetuar estereótipos, como historicamente se processou nesse mercado.
Mesmo no setor privado já se veem inúmeras iniciativas no sentido de fazer das peças publicitárias estopins para a reflexão. No último 8 de março pode ser ver uma profusão de campanhas que buscavam combater a objetificação da mulher, particularmente nos anúncios de cervejas. Ainda não iniciativas isoladas e temporalmente pontuais, mas que sinalizam com o potencial que a publicidade pode ter nesse processo de reinvenção.
No campo do audiovisual há também muitos desafios. Um dos maiores é o da inclusão. Já existe uma legislação que obriga uma quantidade considerável de conteúdo acessível à deficientes visuais e auditivos, mas a execução dessa política pública vem enfrentando barreiras a sua efetividade: as obras audiovisuais não têm sido pensadas e produzidas de forma que a audiodescrição, por exemplo, encontre espaços para a introdução dos textos. Isso significa dizer que mesmo que uma emissora cumpra as seis horas diárias de conteúdo com audiodescrição, a sua qualidade, a sua eficiência, deixam muito a desejar. É também comum que as decisões sobre quais conteúdos serão audiodescritos se dê mais por critérios de viabilidade do que de interesse público, quando esse último é o que deveria realmente pautar tais decisões.
É urgente, portanto, sensibilizar profissionais das mais diversas áreas para a compreensão de que mudanças, muitas vezes mínimas, em suas rotinas de trabalho, podem ter um enorme impacto na democratização do acesso a conteúdos audiovisuais. Quem estudou minimamente o tema sabe que não se quer abrir espaços gigantescos dentro das obras audiovisuais para a introdução de textos de audiodescrição, mas apenas mudanças pontuais, com pouquíssimo impacto para quem não é deficiente, mas que fazem uma gigantesca diferença para quem precisa de tais recursos.
Os exemplos acima, no jornalismo, na publicidade, no audiovisual, são só pequenas ilustrações de como há um enorme campo de reflexões a serem desenvolvidas para que o caráter democratizador das comunicações seja mais efetivamente alcançado. Porém, há outras áreas, como a relações públicas, a editoração, esperando por serem também mais debatidas. Então, reiteramos o convite: vamos refletir, diagnosticar, inovar, avançar rumo a uma comunicação que mereça o epíteto de pública.
Texto: Lincoln Macário – Presidente da ABCPública. Lincoln é jornalista concursado da Câmara dos Deputados e atua como âncora na Rádio Câmara e TV Câmara. Anteriormente, ocupou cargos de editor e apresentador na TV Brasil; repórter de política da Rádio CBN; editor-chefe e apresentador na TV Band Brasília; repórter e produtor na RedeTV; Bacharel em Comunicação (UnB), especialista e mestre em Ciência Política (Câmara dos Deputados e UnB). Foi presidente do Sindicato dos Jornalistas do DF de 2010-2013.
Fonte: Brasília de fato