Em um mundo onde o convívio entre os vizinhos é cada vez menor, a comunicação interna nos condomínios precisa ser direta e certeira.
Síndicos devem cuidar da comunicação interna dos prédios – Gustavo Stephan / Agência O Globo
Em um mundo onde o convívio entre os vizinhos é cada vez menor, a comunicação interna nos condomínios precisa ser direta e certeira. E no comando deste processo está a figura do síndico, que necessita dar as mãos ao bom senso para redigir comunicados e passar longe de juízos de valor ou preconceitos. A conta com processos judiciais pode ser cara e o débito é direto no bolso dos condôminos.
Um (mau) exemplo que pipocou na internet estava em uma cartilha de segurança patrimonial va BCF Administradora, voltada para o treinamento de funcionários e distribuída aos apartamentos em um prédio em Botafogo. O conteúdo afirma que “é frequente os moradores homossexuais serem vítimas de latrocínios, assassinatos, roubos, furtos, lesões corporais dolosas, cujos autores são sempre seus amigos” e que “o porteiro nunca poderá subestimar esses indivíduos”.
— A empresa está prestando um desserviço na orientação aos porteiros, e o síndico usa essa suposta autoridade para impor seus preconceitos pessoais — afirmou uma das moradoras.
Procurada, a BCF Administradora disse que o material citado era de responsabilidade de um profissional terceirizado já falecido, e foi retirado de circulação há pelo menos seis meses, assim que a empresa teve ciência do conteúdo. Informou ainda que repudia o preconceito.
Mesmo com o pedido de desculpas, caso desejem, os moradores podem tomar medidas judiciais. De acordo com o advogado Sergio Sender, o judiciário poderá ser acionado, tanto na esfera cível como criminal, contra a administradora e o síndico que se valer do material para discriminar qualquer cidadão.
— Se efetivamente constarem estas afirmações, entendo que cabe uma notícia-crime por crime de homofobia, além da possibilidade de ação de danos morais. E se o síndico aplicar algumas destas regras, o condomínio também poderá ser acionado judicialmente — diz ele.
Cartilha com cunho homofóbico distribuída em prédio – Divulgação
Em um prédio de Ipanema, uma circular informativa entregue aos moradores deixou a jornalista Fernanda de Andrade indignada. No texto assinado pela síndica, uma reclamação sobre o lixo despejado no play creditado a “péssimo comportamento a crianças/adolescentes ou serviçais”.
Chocada com o que considerou preconceito contra os empregados, Fernanda compartilhou o texto em seu perfil no Facebook e fez uma carta de repúdio, que também foi fixada no elevador. A síndica não se fez de rogada e escreveu um novo comunicado, afirmando que não há nada de desrespeito na palavra “serviçal” segundo os dicionários consultados por ela.
— Além de ser um ato que deve ser combatido, pode gerar prejuízos a todos os condôminos, pois uma pessoa discriminada pode mover ação indenizatória em face ao condomínio pelo ato do síndico. Os condôminos devem condenar o ato e cobrar do síndico todos os prejuízos gerados por sua conduta — afirma o advogado André Luiz Junqueira
Circular que gerou polêmica pelo vocabulário usado – reprodução
Se o equilíbrio passa ao largo, os síndicos e moradores devem focar nos gastos extras que a ausência da comunicação correta pode originar. Junqueira cita um caso em que uma proprietária trocou o vidro da varanda de casa, mas não seguiu o padrão original do prédio porque o modelo havia sido extinto do mercado. Advertida pelo síndico, ela pediu que o administrador indicasse o local que vendesse o produto e solicitou uma assembleia para que o caso fosse debatido. O síndico não respondeu e ainda moveu ação judicial contra a proprietária.
— Resultado: condenação do condomínio em valor razoável, incluindo despesas judiciais, de perito e advogado, além da permissão paraa proprietária manter o vidro enquanto a assembleia não se reunisse para definir um padrão adequado cujo material possa ser reposto. A conclusão: se o síndico não se comunica da forma correta, todos compartilham o prejuízo — relembra o advogado.
TECNOLOGIA A SERVIÇO DOS CONDOMÍNIOS
Bilhetes no elevador, circulares na caixa de correspondência e livro de reclamações na portaria permanecem como meios usados nos prédios, mas cresce o número de condomínios que se utilizam da tecnologia para a comunicação interna. Nem por isso pode-se descuidar da escrita. Para advogados e especialistas na área imobiliária, o síndico deve primar sempre por um ambiente livre dos perigos dos danos morais. Uma das dicas é nunca usar adjetivos na hora de falar ou escrever sobre funcionários e condôminos.
— Uma solução interessante em grandes condomínios são os sites internos (intranet), que foram recentemente adotados para facilitar a comunicação entre o síndico e os moradores — lembra Valnei Ribeiro, gerente de Negócios da Apsa.
Sonia Chalfin, diretora da Precisão Administradora, conta que, atualmente, a maioria dos edifícios utiliza o e-mail como meio de comunicação, pois além do rápido acesso, fica também registrada a ciência aos condôminos.
Além disso, WhatsApp e outros aplicativos voltados para administração predial têm cada vez mais adeptos.
— Os síndicos podem compartilhar com os moradores as informações em tempo real no WhatsApp a respeito da vida do condomínio com os moradores, trocando informações e ideias do dia a dia. Ainda pode gerir o condomínio de uma forma mais moderna, facilitando o trabalho e a convivência de todos. Esse recurso novo na comunicação interna mostra uma participação mais ativa, compartilhada e transparente por parte do síndico — afirma Sonia, lembrando que este meio também precisa de uma linguagem formal.
— O aplicativo tem o inconveniente de permitir troca de mensagens entre todos os participantes, podendo gerar acúmulo e “informalização” — considera a diretora, que reitera que nem todos os moradores têm acesso a essa tecnologia e, por isso, os recados não devem ser transmitidos apenas pela internet.
BOM EXEMPLO
No caso do condomínio Morada Mariana, em Botafogo, o uso dos aplicativos vem funcionando muito bem na administração do prédio. Após 25 anos sob o comando do mesmo síndico, os moradores implantaram este ano uma gestão colaborativa, onde todos são responsáveis por alguma tarefa. Neste sentido, o uso do WhatsApp facilita a comunicação entre os 210 apartamentos.
— Foram criados diversos grupos no aplicativo por temas referentes ao condomínio, como o grupo do conselho, o do jardim, o da manutenção, com a participação dos moradores e funcionários — explica o consultor de empresa e síndico do prédio, Gabriel Nogueira.
Se um morador encontra algum problema de manutenção, por exemplo, indica diretamente no grupo referente ao caso. Além deste app, o prédio usa também um aplicativo de gestão condominial que serve como ouvidoria e os moradores conseguem até reservar o salão de festa.
— São ferramentas e sistemas que facilitam a administração à distância. O síndico gerencia um bem coletivo, mas todos os moradores têm direito de tomar decisões e de participar de todo o funcionamento diretamente — finaliza Nogueira.
Dicas para o texto:
Objetivo: economize palavras desnecessárias: quanto maior o texto, mais chance de ele não ser lido
Claro: redija o texto da forma mais compreensível possível e de maneira sucinta
Formal: todo documento emitido tem consequências jurídicas, uma circular é uma forma de comunicação entre o representante legal do condomínio (o síndico) e os condôminos/ocupantes e, como tal, não deve ser tratada como se fosse um mero comentário
Diplomático: o síndico não é chefe ou empregado dos condôminos, é o representante dos interesses deles em relação ao condomínio. Deve ter a mesma cautela de um diplomata, que lida com pessoas de diversas origens, costumes, condições econômicas e religiões. (Fonte: André Luiz Junqueira)
Fonte: O Globo