Falando simples sobre linguagem simples

Artigo de Lincoln Macário e Lília Gomes Ferreira*
Publicado em primeira mão no Portal dos Jornalistas**

Ler para entender e aplicar é a causa do movimento mundial pela adoção de linguagem simples em todas as esferas de governo

Comunicar é se fazer entender. Sem isso não há comunicação. Mas há muitas coisas tentando se passar por comunicação por aí. Especialmente na comunicação pública, dos governos e dos órgãos públicos com a sociedade. Talvez porque comunicar não fosse realmente o objetivo. No próximo domingo, 13 de outubro, será celebrado o Dia Mundial da Linguagem Simples, para dar visibilidade a um movimento mundial de alerta sobre a responsabilidade de governos usarem a linguagem como instrumento de inclusão social.

Nos anos 1970, o filósofo Michel Foucault já chamava a atenção para a exclusão por meio da linguagem. A política, o direito e outras áreas de interesse público eram exclusivas de quem conhecia as palavras difíceis do juridiquês. Nas universidades se pesquisa como as linguagens têm o poder de incluir ou excluir falantes. Mas o assunto ainda precisa ganhar o mundo.

E vem ganhando! Nos Estados Unidos, desde 1940. Na Europa, desde os anos 1970. No México e na Colômbia, a partir dos anos 2000. E, no Brasil, a partir de 2010. Profissionais da comunicação, especialmente no setor público, têm estimulado e capacitado colegas a buscar uma escrita simples, tarefa que não é fácil. Seja em documentos públicos, em ações judiciais, contratos, informes, seja matérias jornalísticas, ou conteúdo de redes sociais, a ideia é também testar com frequência a compreensão destes textos. Em resumo: todo conteúdo falando para todos.

Desde os anos 1990 órgãos públicos ampliam seus canais de comunicação com o cidadão, como sites, emissoras de rádio e tv, e mais recentemente, redes sociais. Informações direto da fonte buscavam chegar ao cidadão sem intermediários. Mas em vez da linguagem do cidadão o que se viu com frequência foram os jargões dos órgãos públicos tendo destaque. E o desconhecimento sobre direitos e deveres não diminuía. Por isso, um movimento pela linguagem simples vem alertando e convocando o poder público a rever seu esforço de comunicação.

“Uma comunicação em Linguagem Simples é visualmente convidativa e fácil de ler. Costuma ter o tom de uma conversa amigável e respeitosa. Reconhece o direito que toda pessoa tem de entender textos relevantes para o seu cotidiano. Sua intenção primordial é esclarecer”, define a jornalista e escritora Heloísa Fischer, que é uma das referências no assunto no Brasil. Ela explica que a linguagem simples possibilita ao leitor “localizar com rapidez a informação de que precisa, entendê-la e usá-la”.

A jornalista e consultora em linguagem simples, Patrícia Roedel, alerta sobre o perigo da compreensão equivocada desse “simples”: “Linguagem Simples não é intuitiva. Gastar tempo e recursos sem conhecer as diretrizes, sem planejar o público-alvo e sem testar a efetividade ao final é um esforço que tem outro nome: boa intenção”. Patrícia representou a Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública), na elaboração da norma ABNT NBR 24495-1. Ela estabelece os princípios e diretrizes para elaborar documentos em Linguagem Simples e tem por objetivo padronizar o processo de redação, contemplando três etapas: planejamento, desenvolvimento e testagem.

Da teoria para a prática, combinando frases curtas e desenho, o Laboratório de Inovação e Dados do governo do Ceará – IRIS – criou a primeira Política Estadual de Linguagem Simples. Clique aqui e veja que uma lei não precisa ser bicho de sete cabeças. Quer mais experiências? Veja esse edital em linguagem simples, ou a consulta de Despesa do Poder Executivo do Governo do Ceará. Por essas iniciativas, em 2023, o IRIS recebeu o Prêmio Cherryl Stephens de Inovação, na Conferência da Associação Internacional de Linguagem Simples (PLAIN).

Outro projeto premiado é o Programa de Linguagem Simples da cidade de São Paulo, vencedor no concurso de inovação promovido pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), na categoria “Poder Executivo Estadual, do Distrito Federal e Municipal”.

Agora que muitas estradas estão abertas, aprender a técnica para produzir documentos em linguagem simples está bem acessível a comunicadores públicos de todos os cantos do Brasil. Cartilhas digitais dos governos de São Paulo, Ceará, Minas Gerais, Rio Grande do Norte; Primeiros passos e Como Usar da ENAP. E fora do Brasil guias da Nova Zelândia, EUA e Colômbia. Vem com a gente.

Escrever simples já é regra em alguns estados brasileiros, como Amazonas, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, onde foram adotadas Políticas Estaduais de Linguagem Simples que preveem a capacitação de servidores públicos para a produção de conteúdo, a adoção de tecnologias facilitadoras, a produção de conteúdo pedagógico, a promoção de eventos de sensibilização para a prática.

Como você pode ver, linguagem simples é sobre ensinar e aprender técnicas de escrita acessível, mas é também um movimento global pela inclusão pela informação, com diversas iniciativas pelo mundo, inclusive uma associação internacional de profissionais a Plain Languague Association International, atuante há mais de 20 anos.


*Lincoln Macário é jornalista, comunicador público na Câmara dos Deputados e vice-presidente de Relações Legislativas e Governamentais da ABCPública.
Lília Gomes Ferreira é jornalista, comunicadora pública no Ministério Público do Trabalho em Minas Gerais e vice-presidente de Comunicação da ABCPública

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