Fora do ar: ambiguidade nos conceitos afeta a comunicação pública durante período eleitoral

No último sábado, dia 6 de julho, começou o período pré-eleitoral, quando entram em vigor várias vedações que afetam diretamente quem trabalha na comunicação dos órgãos públicos. Como nas eleições mais recentes, o que se vê é um apagão de informações: desde áreas de notícias de sites até canais de TV. 

Algumas câmaras municipais paulistanas receberam recomendação do Ministério Público do Estado de São Paulo para retirarem do ar suas emissoras legislativas, como Sorocaba, ou suas contas em redes sociais, como Araçatuba. No ofício encaminhado, o MP se refere à comunicação institucional: “… toda e qualquer divulgação de atos, programas, serviços e campanhas dos órgãos públicos produzida, confeccionada, mantida e/ou veiculada com recursos – financeiros ou humanos – públicos nos mais diversos meios de comunicação: rádio, TV, jornais, revistas, informativos, panfletos, placas, faixas, cartazes, sites, blogs, redes sociais, dentre outros”.

O entendimento de que toda comunicação institucional deve ser interrompida no período pré-eleitoral coloca em xeque o trabalho dos comunicadores públicos. Desde as eleições de 2020, os associados da ABCPública vêm apontando o problema. Na avaliação do coordenador do Comitê de Publicidade da ABCPública, Jun Tomikawa, servidor do Ministério  Público  do  Distrito  Federal, é preciso esclarecer a confusão entre o princípio constitucional da publicidade e as ações de publicidade de órgãos públicos. Jun explica que o conceito de publicidade institucional aplicado a órgãos públicos é derivado de uma instrução normativa da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom/PR), que vai sendo atualizada, governo após governo, sem alterar a essência. Atualmente, a que está em vigor é esta

II – publicidade institucional: destina-se a divulgar atos, ações, programas, obras, serviços, campanhas, metas e resultados dos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal, com o objetivo de atender ao princípio da publicidade, de valorizar e de fortalecer as instituições públicas, de estimular a participação da sociedade no debate, no controle e na formulação de políticas públicas e de promover o Brasil no exterior;

A mesma instrução normativa também define os outros tipos de publicidade, como a publicidade legal, a mercadológica e a de utilidade pública. O que não é conceituado pela norma são as matérias ou reportagens e outras ações desenvolvidas pelos órgãos públicos para dar transparência às ações e decisões dos Poderes e órgãos públicos, e que acabam sendo vistos como publicidade institucional, quando poderiam ser mais bem definidos como comunicação pública, comunicação institucional ou mesmo jornalismo institucional. 

Fazer publicidade × dar publicidade 

A ABCPública defendeu essa distinção na consulta pública promovida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para subsidiar as normas das eleições deste ano. Em audiência pública realizada em janeiro passado, o vice-presidente de Relações Legislativas e Governamentais da ABCPública, Lincoln Macário, destacou a importância de saber diferenciar o “princípio constitucional da publicidade” da publicidade institucional realizada por governos, que deve ser entendida como a propaganda paga, e não toda e qualquer divulgação. 

“A nossa primeira sugestão diz respeito a deixar claro, claríssimo, o que é a publicidade institucional. Entende-se por publicidade institucional a veiculação de peças publicitárias em meios de comunicação privados, paga com recursos públicos, incluindo aí o impulsionamento em plataformas de mídias sociais e digitais”, explicou Lincoln. 

A diferença também foi explicitada em maio pela então secretária de Comunicação e Multimídia do TSE, Giselly Siqueira, atual secretária do Conselho Nacional de Justiça, na aula de abertura do Curso Completo em Comunicação Pública 2024, realizado pela ABCPública em parceira com a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). Giselly ressaltou a diferença entre dar e fazer publicidade: “Dar publicidade é dar transparência e fazer publicidade é a venda de produtos e serviços. Até 6 de julho podemos fazer os dois, depois só é possível dar publicidade”, explicou.

Baseada na Resolução 23.735 de fevereiro de 2024, do TSE, Giselly chamou a atenção para as informações consideradas obrigatórias, como as relacionadas aos gastos e receitas do governo, e as que podem ser de interesse público coletivo. “Essas informações devem ser permanentemente atualizadas”, ressaltou. 

Na mesma linha, o conselheiro-ouvidor do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande de Sul, Cezar Miola, destaca que “a transparência e a publicidade são pilares fundamentais para a integridade e legitimidade do processo democrático. É essencial que todas as informações sobre a gestão dos recursos públicos estejam claras e acessíveis à sociedade, garantindo aos eleitores que possam fazer escolhas informadas”.

O conselheiro afirma que as vedações estabelecidas pela Lei Eleitoral em relação à publicidade institucional são extremamente relevantes para evitar abusos, prevenir a desinformação e assegurar que as eleições reflitam verdadeiramente a vontade popular. No entanto, ressalva que não podem ser usadas para se esquivar da observância ao princípio da publicidade, expresso no artigo 37 da Constituição da República, à Lei de Acesso à Informação e à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Não é demais lembrar que, conforme estabelece nossa Lei Maior, ‘a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos’”, complementa.

Caráter informativo 

Em uma tentativa de auxiliar as câmaras municipais e assembleias legislativas, a área da Diretoria Executiva de Comunicação e Mídias Digitais da Câmara dos Deputados que se relaciona com as emissoras de rádio e TV das outras instâncias do Poder Legislativo distribui, a cada dois anos, um documento com orientações sobre o que pode ou não ir ao ar nesse período pré-eleitoral. Nas duas últimas eleições, esse documento foi acompanhado ainda por uma espécie de tira-dúvidas, no qual a Advocacia da Câmara dos Deputados responde aos questionamentos encaminhados pelas diversas áreas da comunicação da casa no sentido de orientá-los sobre como proceder neste período.

Esse documento esclarece que as vedações objetivam promover a igualdade de oportunidades entre os candidatos em anos eleitorais. E lembra o que a Constituição Federal estabelece sobre publicidade institucional:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 

(…) 

  • 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Com base na Constituição, entende-se que a atuação das áreas de comunicação deve ter caráter educativo, informativo ou de orientação social. E também que fica vedada a divulgação de ações que possam caracterizar promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos, porque isso seria uma quebra da igualdade de oportunidades entre os candidatos, que é a premissa básica que a Justiça Eleitoral quer manter no período anterior às eleições.

Ao mesmo tempo, o trabalho parlamentar dos deputados e vereadores, mesmo os que são candidatos, continua e precisa ser divulgado, especialmente por meio da transmissão das sessões plenárias, para não privar os cidadãos de conhecer o que está sendo decidido pelas casas legislativas em seu nome. 

No caso específico do site da Câmara dos Deputados, o que muda no período eleitoral é que são retirados os links para o website e para as redes individuais das páginas dos parlamentares. As redes sociais da casa deixam de marcar os perfis dos deputados citados em suas postagens. A TV e a Rádio Câmara orientam deputados entrevistados nos programas a tratarem exclusivamente da atuação parlamentar, sem fazer menções eleitorais. 

Nos estados, outras instituições têm adotado a mesma linha, como a Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, que orientou a comunidade acadêmica a observar o cuidado para manter o caráter informativo dos eventos e publicações, e a moderar os comentários nas redes para evitar menção a candidaturas:

Mobilização 

A ABCPública pretende continuar atuando para que haja uma melhor conceituação  de publicidade institucional, que a diferencie da informação produzida pelos órgãos públicos que deve continuar disponível para o cidadão em períodos pré-eleitorais. “Devemos evitar que os cuidados necessários no período eleitoral tenham o efeito colateral indesejável de reduzir a transparência e prejudicar o acesso do cidadão aos serviços prestados pelo Estado”, defende Cláudia Lemos, presidente da ABCPública. 

Moderador de um grupo que reúne mais de 200 profissionais de comunicação, o jornalista Sérgio Lerrer, da consultoria Pró-Legislativo, está envolvido nessa articulação. “Precisamos trabalhar nessa direção, no coletivo, e mobilizar forças-chaves que possam reduzir medidas drásticas que punem o Legislativo municipal e a sociedade, e também os profissionais responsáveis”, assinala.

Serviço 

Orientação da Câmara dos Deputados às emissoras da Rede Legislativa de Rádio e TV Digital – 06/2024 

Resposta da Advocacia da Câmara dos Deputados à consulta sobre vedações à comunicação no período pré-eleitoral – 06/2024

Página da Advocacia Geral da União sobre vedações a agentes públicos – 06/2024

Apresentação da então Secretária de Comunicação do TSE – 05/2024

Sugestões da ABCPública ao TSE e participação na audiência pública sobre regulamentação das eleições – 01/2024

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One thought on “Fora do ar: ambiguidade nos conceitos afeta a comunicação pública durante período eleitoral

  1. A legislação eleitoral precisa ser mais clara e, inclusive, garantir que a comunicação pública siga no período eleitoral por conta das necessárias ações de transparência. Ao tirar do ar, a sociedade fica sem acesso ao histórico de informações e ainda fica sem ter como se informar do que está ocorrendo no dia a dia. Isso vai contra a participação e o controle social que as leis apregoam.

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