"Greenwashing" e os conflitos éticos da propaganda ambiental

A pesquisa investiga como a propaganda representa o meio ambiente e o discurso ambientalista em benefício de empresas. Para isso, foram analisadas centenas de propagandas ambientais dos mais diversos produtos e serviços. Segundo o autor do estudo, todas as empresas apresentam a mesma estratégia discursiva, com vários sinais de “greenwashing” — termo utilizado para definir o discurso que busca promover uma imagem ambiental positiva que não corresponde à realidade.
A pesquisa conclui que, mais do que vender, as chamadas “propagandas verdes” colaboram para tranquilizar os consumidores de que fizeram a melhor escolha para si, para o meio ambiente e para as futuras gerações. São elementos importantes em estratégias de marketing que muitas organizações utilizam para demonstrar seu compromisso e suas ações pela natureza.
No entanto, podem contribuir para a manutenção de valores culturais que dificultam a mudança para um novo paradigma. A qual pergunta a pesquisa responde? Como a propaganda apropria-se do discurso ambientalista? A pesquisa se propõe a mostrar como as organizações representam o meio ambiente por meio da publicidade e propaganda.
Vistas isoladamente, são apenas uma página de revista ou uma propaganda de 30 segundos, com “liberdade artística” para representar o meio ambiente. No entanto, ao longo da pesquisa, foram analisadas centenas de propagandas ambientais dos mais diversos produtos e serviços, de carros a papel higiênico, de serviços bancários a um país. E todas apresentam a mesma estratégia discursiva, frequentemente com não apenas um, mas vários “sintomas” de greenwashing. Esse alinhamento é bastante significativo do ponto de vista ideológico e científico. Por que isso é relevante? Essa questão é importante, pois entre os discursos das propagandas ambientais e suas práticas há um distanciamento muito grande que nem sempre é claro para o consumidor.
Mais do que vender, atividades promocionais como a propaganda e a publicidade colaboram para diminuir a dissonância cognitiva dos consumidores, tranquilizando-os de que fizeram a melhor escolha para si, para o meio ambiente, o planeta e as futuras gerações. Mas mais que isso: ainda é possível convencê-los de que geladeiras são 100% ecológicas, que macarrão instantâneo vem direto da horta e que dirigir um carro é expressão de liberdade. Não se trata apenas de algum tipo de “licença poética” a que a propaganda se permite, mas, sim, de ajudar na reconstrução de conceitos e estilos de vidas.
Na prática, o que temos visto é um agravamento das crises sociais e ambientais. A ação de empresas e governos, por sua vez, se dá não por meio de propostas concretas de mudança, mas de políticas de adaptação e de lançamento de novos produtos e serviços com suas promessas publicitárias de ecoeficiência. Para o cidadão comum, continua sendo mais fácil, ainda que não menos custoso, comprar do que não comprar. E, enquanto os mercados vão ficando mais verdes, o futuro do meio ambiente parece, lamentavelmente, cada vez mais cinzento.
Resumo da pesquisa
As propagandas estão presentes hoje em praticamente todos os meios de comunicação, e nelas a recorrência de temas ambientais é cada vez mais notável. As chamadas “propagandas verdes” são elementos importantes em estratégias de marketing que muitas organizações utilizam para demonstrar seu compromisso e suas ações pela natureza. Ainda assim, o meio ambiente nunca esteve sob tão forte pressão. Esse aparente paradoxo pode ser explicado pela forma como empresas, governos e sociedade põem em curso seu modelo de desenvolvimento civilizatório.
Esta pesquisa a respeito do greenwashing procura analisar o que há de mentiroso, oportunista e cínico nas propagandas ambientais. Busca também discutir de que forma esses conflitos éticos ajudam a compor um cenário favorável à manutenção de valores culturais insustentáveis que dificultam a mudança para um novo paradigma.

Como identificar o Greenwashing

Discursos: o que a organização diz Manipular o discurso ambientalista com exageros, afirmações irrelevantes, genéricas ou pretensões irreais. Omitir impactos ambientais negativos da operação de seu negócio, destacando apenas os positivos. Mentir, usar dados falsos, fazer afirmações que distorcem a realidade ou que não podem ser provadas. Usar jargão técnico incompreensível.
Estética: o que a organização mostra Usar imagens, sons ou vídeos ambientais sedutores. Omitir imagens da operação dos negócios. Destacar parceiros que compartilham compromissos “ecológicos”. Utilizar uma identidade visual ambientalista, “esverdeada”.
Ações: o que a organização faz Desviar atenção para projetos socioambientais paralelos. Tratar obrigações legais como investimentos em meio ambiente. Alegar custo excessivo de medidas ecologicamente mais corretas. Evitar intervenções externas alegando que resolverão o problema sozinhos. Infiltrar-se na comunidade ambientalista. Incentivar clientes a contribuírem, estimulando que proponham novas formas de ser e de tornar a empresa mais “verde”.
Portfolio: o que e como a organização vende. Vender produtos “ecológicos” que fazem mal às pessoas ou ao meio ambiente. Anunciar produtos “verdes” com celebridades. Criar ecolojas físicas ou virtuais.
Propaganda suspensa por ação do Ministério Público em função dos conflitos éticos:

A ocorrência do greenwashing no cenário da publicidade brasileira é uma realidade frequente e insidiosa. Até o momento, no entanto, têm sido propostas iniciativas muito fracas para o controle do que se diz nas propagandas. Embora as mentiras que as empresas contam ao público por meio de suas atividades publicitárias possam ser configuradas como crime contra o consumidor, passível de punição legal, isso raramente tem acontecido.
Esta pesquisa apontou que existe praticamente uma unanimidade dos discursos das empresas em relação ao meio ambiente. Isso revela que todas estão alinhadas, e não é com a preservação ambiental, mas com o modelo de reprodução de seus próprios negócios.
É importante que associações de consumidores e o poder público estejam atentos para coibir o greenwashing, estabelecendo regras e limites para a publicidade de forma geral e para a propaganda ambiental em específico. Confira a pesquisa na íntegra aqui.
Texto: Erico Pagotto – ecólogo formado pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), mestre em Ciências pelo programa interdisciplinar de Mudanças Sociais e Participação Política da USP (Universidade de São Paulo), e doutorando em Sustentabilidade pela mesma universidade. Possui pós-graduação “lato sensu” (especialização) em Administração pela Faap (Fundação Armando Álvares Penteado), Marketing pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Gestão de Projetos Sociais pela Kroton e Educação Ambiental pela Ufop (Universidade Federal de Ouro Preto). Conta com mais de 20 anos de experiência profissional, atuando como docente em cursos de graduação e pós-graduação, e como consultor nas áreas de meio ambiente, governo, planejamento e educação.
Fonte: Jornal Nexo

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