Jornalismo ambiental e comunicação pública: entrevista com Ilza Maria Girardi

A professora da UFRGS discute a importância da comunicação pública na cobertura dos desastres climáticos e no enfrentamento das mudanças climáticas, com foco no papel da mídia e da IIIComPública

Por Alice Mendonça e Maria Eduarda Rocha (DCOS/UFS)

A professora Ilza Maria Tourinho Girardi, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vai participar da IIIComPública, evento que será realizado pela Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública) em parceria com a Universidade Federal de Sergipe (UFS), de 20 a 22 de outubro, na  UFS. 

Graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela UFRGS,  também é mestre em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo e doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Além disso, é pesquisadora e ambientalista, sendo membro da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) e líder do grupo de pesquisa em Jornalismo Ambiental pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/UFRGS). Foi uma das idealizadoras do Manual Para a Cobertura Jornalística dos Desastres Climáticos juntamente com Márcia Franz Amaral e Eloísa Beling Loose. A obra foi publicada seis meses após a tragédia ambiental provocada pelas enchentes no Rio Grande do Sul, em 2024.

A professora concedeu uma entrevista para falar sobre como a comunicação pública e o Jornalismo devem atuar na cobertura dos desastres climáticos, além da importância da comunicação responsável para a sociedade, em meio ao tema “Emergência Climática e Direito à Informação”  que será debatido na IIIComPública. 

A senhora é uma das autoras do Manual para a Cobertura Jornalística dos Desastres Climáticos. Como surgiu a proposta do livro e a elaboração dos caminhos apontados nele para a abordagem do tema?

A proposta para elaborar o manual surgiu em 2024, durante o desastre climático que ocorreu no Rio Grande do Sul, com o intuito de colaborar com a cobertura jornalística sobre o que estava acontecendo. Nós estávamos recebendo informações erradas dos meios de comunicação. Não informações produzidas pelos jornalistas, mas pelo próprio governo do estado. O processo de comunicação era lento, não atendia às nossas necessidades de ter conhecimento rápido sobre o que estava acontecendo.

Então, o nosso grupo de pesquisa em Jornalismo Ambiental se reuniu com o grupo de pesquisa coordenado pela professora Márcia Amaral, em Santa Maria, no qual já havíamos feito o primeiro manual para a cobertura sobre as mudanças climáticas. Dessa vez, nos reunimos de novo para elaborar esse material, que contou com a colaboração de vários pesquisadores dos dois grupos de pesquisa. E assim nós conseguimos, 6 meses após o desastre, fazer esse lançamento.

O manual tem uma importância, porque ele coloca à disposição dos jornalistas conceitos que precisam ser utilizados de forma correta, já que a cobertura jornalística nesses momentos serve para orientar as pessoas sobre como se movimentar. O que aconteceu durante o desastre foi que faltava informações aos próprios jornalistas, porque havia um processo muito lento de informar a sociedade e a eles próprios sobre o que estava acontecendo.

Como o Jornalismo pode se preparar para uma comunicação mais eficiente sobre as mudanças climáticas?

O jornalismo brasileiro nunca foi negacionista em relação às mudanças climáticas. No entanto, as empresas de comunicação deveriam assumir isso como uma causa importante, no sentido de promover e de ter espaços frequentes para abordar a temática. A questão climática não é para ser entendida e abordada apenas quando ocorre um evento, ou um desastre como no Rio Grande do Sul. Esse é um processo que vem acontecendo há muito tempo. A Organização das Nações Unidas tem alertado para isso. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) emite relatórios, falando sobre a necessidade dos governos adotarem medidas e agirem de forma conjunta para combater a situação antes de acontecer. Mas, tudo isso não ocorreu ou tem ocorrido de forma muito lenta e as mudanças climáticas estão aí.

Nós sentimos, no Rio Grande do Sul, um desastre climático, que poderia ter sido evitado, em sua grandiosidade, se nós tivéssemos políticas públicas de adaptação, enfrentamento e a tudo aquilo que é necessário para proteger as pessoas de serem atingidas por um desastre e morrerem. Nisso, o Jornalismo tem um papel fundamental. E o jornalista é importante, porque ele informa o público, que vai ter informações necessárias para pressionar o poder público a tomar as medidas necessárias para termos políticas de ação e de mitigação das mudanças climáticas.

Há cerca de um ano, o RS viveu uma experiência trágica. O que a senhora viu, como pesquisadora e como moradora do estado, sobre este fato e como a senhora avalia a cobertura jornalística daquele momento?

A cobertura jornalística foi muito bem feita, eu avalio bem essa cobertura. Tanto dos órgãos daqui do estado como de fora, da imprensa nacional e também internacional. Os veículos ouviram cientistas que se dedicam há anos ao estudo dessa questão climática, divulgando as causas de tudo que estava acontecendo, para que as pessoas entendessem o porquê daquilo, que não precisava estar naquela intensidade que nós enfrentamos. Eu me coloco como população atingida. O primeiro momento foi aquele susto, para entender o que estava acontecendo, que podia piorar. Foi uma situação muito traumática.

Muitos jornalistas estavam passando por situações difíceis. Eles também tiveram que, de repente, sair das suas casas. Então, foi um momento em que o Jornalismo precisou se superar para poder dar conta de tanta informação que estava precisando ser tratada, além de como construir reportagens e divulgá-las para a população saber do que estava acontecendo. Nós precisávamos, também, saber dos locais aonde a gente podia levar doações, e a imprensa nos ajudou muito. O Jornalismo mostrou bem a sua função social de informar a sociedade.

Qual a importância da comunicação pública para a sociedade, quando falamos de meio ambiente e mudanças climáticas?

A comunicação pública é fundamental para a população, a fim de que ela tenha acesso às informações sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas, porque são fundamentais para a vida, para decisões que as pessoas precisam tomar no momento e também, para que elas compreendam a situação ambiental da sua cidade e do seu país, a fim de pressionar por medidas de proteção ao meio ambiente. As mudanças climáticas surgem pelos “atropelos” que nós, seres humanos, fazemos, como a exploração da madeira, as queimadas, a produção do petróleo, o agronegócio que invade as áreas, e o uso de agrotóxicos. E assim vai, também nas cidades, com as formas como são tratadas. 

A comunicação pública é fundamental, porque precisa disponibilizar à população informações que sejam baseadas na ciência, e que tenham base, inclusive, na ciência local. Então, a comunicação pública precisa responder a esses anseios que a sociedade faz.

Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *