Por Revista Consultor Jurídico – ConJur
Finalmente, o direito de acesso à informação, previsto na Declaração Universal de Direitos Humanos e na Constituição Federal, regulamentado há quatro anos pela Lei de Acesso a Informação, Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011, também foi regulamentado no Judiciário brasileiro pelo Conselho Nacional de Justiça, em sua sessão ordinária de 1º de dezembro de 2015.
A norma, no entanto, é um retrocesso ao processo de transparência iniciado com a Resolução do CNJ 102, de 15 de dezembro de 2009, que determinou aos tribunais a publicação na Internet de informações sobre a gestão orçamentária e financeira, quadro de pessoal e estrutura de remuneração de magistrados e servidores. Com a publicação da LAI, a norma foi alterada pela Resolução 151, de 2012, quando a publicação nominal de salários de magistrados e servidores passou a ser obrigatória. Agora, o acesso à informação nominal de salários, prática de transparência ativa adotada no próprio Supremo Tribunal Federal e nos poderes Executivo e Legislativo, será facultada apenas mediante solicitação.
A LAI estabeleceu o Conselho Nacional de Justiça como última instância administrativa e órgão responsável por centralizar as demandas de informações dirigidas ao Judiciário (artigo 19, § 2º). Até então, em decorrência da falta de regulamentação, um pedido de informação indeferido por um tribunal tinha recurso dirigido apenas ao presidente do mesmo tribunal que o indeferiu e, caso fosse negado novamente (e certamente seria porque o servidor que negou o pedido certamente seguia orientação superior), não havia como recorrer, como entrar com um recurso, direito do cidadão que se vê insatisfeito com a resposta concedida pelo órgão ou instituição demandada.
Com a falta de regulamentação, até o presente, muitas das informações estabelecidas como de divulgação obrigatória pela LAI ainda não estão disponíveis nos sites da Justiça. Estudo da organização social Artigo 19,Monitoramento da Lei de Acesso à Informação Pública em 2014 [i], apresenta um panorama representativo da não conformidade dos sites das instituições da Justiça com o que estabelece a LAI como Transparência Ativa. Além da Transparência Ativa, o estudo analisou questões relativas ao atendimento dos pedidos de informação no STF, STJ, CNJ e tribunais regionais federais, bem como Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Os pesquisadores relataram que, tanto na primeira, como na segunda edição da pesquisa (2013 e 2014), nenhum dos 11 órgãos de Justiça analisados cumpriu integralmente os critérios de Transparência Ativa.
Além do acesso às informações institucionais e administrativas comuns a todos os órgãos públicos, a transparência no Judiciário deve incluir também questões relacionadas ao princípio da publicidade dos atos processuais, sua atividade finalística, prevista nos artigos 5º, LX e 93, IX, da Constituição, por força da Emenda Constitucional 45 de 2004, que estabelece: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” e “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade…”.
Entendem alguns juristas que o direito à informação e o interesse público foram privilegiados com essa alteração, que passou a beneficiar o princípio da publicidade, pois, como mencionado, será preservada a intimidade da parte desde que esta não prejudique o interesse público à informação. Cabe ao juiz analisar se a informação é de interesse público; em caso positivo, ele não decretará o segredo de justiça.
A relevância do princípio da publicidade no ordenamento jurídico é tanta que são considerados nulos os atos realizados sem a observância dessa garantia processual, com exceção das hipóteses de sigilo legalmente previstas. A transparência dos atos processuais possibilita o controle das atividades do Judiciário por parte da sociedade civil em todas as suas esferas.
Segundo o ministro Arnaldo Esteves Lima, do STJ, “a publicidade gera a oportunidade não só de conhecimento, mas, sobretudo, de controle, na forma legal, de decisões, o que é inerente ao processo legal e à própria essência do Estado de Direito, pois se trata de serviço público, vale dizer, para o público, primordial”. [ii]
Assim sendo, os atos processuais e, consequentemente, o processo judicial que os registra, são públicos. No entanto, segundo o artigo 155 da Lei 5.869, de 11 de Janeiro de 1973, que instituiu o Código de Processo Civil ainda em vigor, devem tramitar em segredo de justiça os processos em que o exigir o interesse público e que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores [iii].
Nesta perspectiva, o STF, em decisão proferida em 10 de abril de 2013, revogou norma que determinava a inclusão de apenas as iniciais dos nomes de autoridades denunciadas em inquéritos da corte, acabando com um privilégio, que ainda é praticado em muitos tribunais [iv]. Antes dessa decisão, levantamento da Folha de São Paulo, realizado pelo repórter Alan Gripp, mostrou que, em 2008, no STF, o segredo de Justiça foi evocado em 30 (29%) dos 105 inquéritos criminais abertos. Em cada quatro investigações contra autoridades, havia blindagem em pelo menos uma delas.
No entanto, o segredo de justiça ainda é prática recorrente nos processos criminais. Se assim não fosse, os advogados dos indiciados e presos provisórios da Operação “Lava Jato” não estariam reclamando do acesso da imprensa às informações processuais. A esse respeito, pronunciou o juiz Sergio Moro, condutor do processo, “a publicidade do processo é o preço que se paga por se viver em uma democracia. É uma garantia à sociedade, principalmente em casos de crimes contra a administração pública. Esses processos devem estar submetidos ao escrutínio popular” [v].
Classificar um processo criminal como segredo de Justiça é poder discricionário do juiz. No entanto, a Resolução CNJ 59, de 2008, disciplina e uniformiza rotinas relativas aos procedimentos de interceptação das comunicações telefônicas, de forma a impedir que ocorra vazamento de informação e, eventualmente, prejuízo para a instrução processual. Não se tem ideia do volume de processos que se encontra nessa situação. Estatísticas exclusivas dos processos criminais classificados como segredo de justiça não são solicitadas pelo CNJ nem apresentadas pelos tribunais. Os processos classificados como segredo de justiça não aparecem nos resultados de busca nos sistemas processuais.
Em relação ao processo eletrônico, o CNJ [vi] aprovou a Resolução 121, de 2010, regulamentando o acesso público aos processos na internet, sem a necessidade de cadastramento prévio, com exceção dos processos sigilosos e que tramitam em segredo de justiça. Ela pode ser considerada um avanço porque possibilita o acesso aos processos buscando pelos seus dados básicos (número, classe e assuntos; nome das partes e de seus advogados; movimentação processual; inteiro teor das decisões, sentenças, votos e acórdãos), uma vez que o artigo 11, § 6º, da Lei 11.419/2006, estabelece que os documentos eletrônicos “somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça”.
Vladimir Passos de Freitas acredita haver “…uma tendência de aumento das hipóteses de decretação de segredo de Justiça. Excedem-se, por vezes, as previsões legais e tenta-se que determinadas ações tramitem sob resguardo nem sempre justificado” [vii]. Na matéria, ele menciona exemplos de processos no STJ em que o segredo de justiça foi decretado ou mantido em questões não previstas na lei.
A mudança da cultura do segredo para a cultura da transparência no Judiciário tem sido lenta, com retrocessos, mas também com algumas ações positivas, como a rejeição do pedido feito pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para que os documentos referentes a um dos pedidos de inquérito contra ele sejam protegidos por sigilo. A negativa foi do ministro Teori Zavascki, relator do processo da operação “lava jato” no STF [viii].
A Lei de Acesso à Informação dotou a sociedade civil de instrumentos fortes para a consolidação da democracia participativa. O Judiciário precisa evoluir no processo de disponibilização das informações públicas e consolidação do governo aberto, que concorrem para a melhoria na gestão pública. A sociedade quer saber quantos processos judiciais em segredo de justiça estão em tramitação, o objeto, as partes, e como estão sendo conduzidos pelos órgãos jurisdicionais.
Uol Notícias.
Disponível em:
http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2013/04/10/stf-aprova-fim-do-sigilo-da-identidade-dos-investigados.htm
Acesso em: 20 out. 2015.
http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2015/08/sergio-moro-defende-publicidade-de-processos-da-operacao-lava-jato
Acesso em: 12 out. 2015.
esolução n. 121 de 5 de out. 2010.
Disponível em: <
http://www.cnj.jus.br/images/resolucoes/Resolucao_n_121-GP.pdf
Acesso em: 12 out. 2015.
Conjur. 26 de julho de 2015.
Disponível em:
http://www.conjur.com.br/2015-jul-26/segunda-leitura-aplicacao-segredo-justica-ainda-desperta-duvidas
Acesso em: 20 out. 2015.
viii RAMALHO, Renan. Defesa de Eduardo Cunha pede sigilo em inquérito sobre contas na Suíça.
16/10/2015. G1.
Disponível em:
http://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/2015/10/defesa-de-eduardo-cunha-pede-sigilo-em-inquerito-sobre-contas-na-suica.html
Acesso em: 19 out. 2015.