Especialista em comunicação de crises, a professora Cilene Victor analisa os desafios da cobertura jornalística de desastres ambientais e destaca a importância da informação preventiva
Por Breno Oseias e Marina Alves (DCOS/UFS)
Jornalista, pesquisadora e docente, Cilene Victor vem se destacando no campo da comunicação de riscos e desastres, sua carreira acadêmica e profissional está profundamente ligada aos estudos da comunicação em momentos de crise, mas especificamente em catástrofes naturais, emergências ambientais e alterações climáticas. Como especialista nas áreas de combate e prevenção dos efeitos das mudanças climáticas participou na criação de projetos como, o projeto de desenvolvimento PNUD, Projeto de Cooperação Técnica Internacional BRA/12/017 e o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, além de ter sido consultora da Unesco, onde colaborou em um projeto para Cemaden.
A doutora em saúde pública buscou se aprofundar em conhecer como a mídia e os comunicadores e instituições podem ajudar na propagação de informações que ajudem as pessoas a prevenir e administrar os riscos. Um de seus trabalhos inclui examinar as coberturas das catástrofes nos jornais e a busca de modos para proporcionar melhores condições de comunicação nas situações de crise, com o objetivo de reduzir os efeitos divergentes na sociedade.
Atualmente Cilene está ministrando disciplinas de comunicação em algumas universidades, onde também conduz pesquisas, publica artigos e livros sobre o assunto, contribuindo para a formação de novos profissionais capacitados para enfrentar os obstáculos da comunicação de riscos. Seu trabalho é fundamental para a construção de sociedades mais resilientes e preparadas para enfrentar situações de emergência com informações precisas e acessíveis.
Como a senhora avalia o cenário geral em relação à comunicação pública em meio às mudanças climáticas no Brasil?
Então, uma questão é divulgar os riscos associados às mudanças climáticas e outra é aquela que comunica as tragédias e todos os impactos das mudanças climáticas já consumados. Penso que são dois momentos dessa comunicação, quando nós falamos numa comunicação pública em relação às mudanças climáticas, como os riscos associados a essa ameaça não militar, como nós temos também tratado a questão climática, eu posso dizer com tristeza, trabalhando com esse tema que é é uma comunicação ainda muito frágil, muito principiante, embora, estejamos assim diante de uma pequena mudança, de um processo de mudança, é um um processo lento, uma vez que falar sobre comunicação no cenário da emergência climática, falar sobre comunicação diante dos grandes temas, das grandes complexidades que hoje o mundo enfrenta sempre muito no sentido de algo que já se consumou, algo que já aconteceu. Então, há um processo de mudança e essa mudança, por ser cultural, ela é mais demorada. Gostaria de destacar o que nós já conseguimos fazer em relação à própria elaboração do Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, que teve, na sua estrutura, no alicerce do projeto, um plano integrado de comunicação de riscos e difusão, visando conferir transparência, permitir que as pessoas pudessem acompanhar cada passo desse projeto de elaboração desse instrumento importante do sistema e da política nacional de proteção e defesa civil. Então quando nós falamos sobre uma comunicação daquilo que já aconteceu, como os desastres associados aos eventos extremos ou falar sobre a onda de calor, no momento em que estamos enfrentando essa onda de calor, principalmente com a sua assimetria, com o seu caráter assimétrico em comunidades que não tem, quando a gente pensa, nas casas que nós podemos abrir várias janelas e imaginamos em comunidades que tem somente uma porta, e não tem janela, ou quando tem janela, é uma janela virada para uma parede de uma viela daquela comunidade, por exemplo. Então, falar sobre a emergência climática no momento em que tragédias e desastres ou as diversas faces da emergência climática, estão ali consumadas, é uma comunicação com todas as fragilidades possíveis, que a analogia que eu faço é a de comunicar guerra, é a de reportar a guerra. Então nós chegamos muito atrasados, e reportamos guerra ou comunicamos o problema já ali materializado, nós chegamos tarde demais. Então em síntese, eu vejo que há muitas fragilidades na comunicação pública relacionada às mudanças climáticas, mas que nós temos sim alguns exemplos, posso citar também o plano de adaptação às mudanças climáticas, também fazendo uso, dessa popularização, da divulgação das etapas dos acontecimentos relacionados à elaboração do plano, como o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, acho que são iniciativas bacanas para serem lembradas.
Qual a importância de comunicar os riscos ambientais, diante dos obstáculos que a comunicação pública enfrenta, e quais os principais erros que os comunicadores cometem durante esse processo?
Nessa discussão sobre a importância da comunicação de riscos, principalmente associada ao que conversamos agora em relação à primeira pergunta, os próprios obstáculos que a comunicação pública enfrenta, eles já vão definir por onde nós precisamos caminhar e qual a importância de comunicar os riscos. Sempre tomo muito cuidado com o verbo comunicar, porque ele se confunde muito quando nós falamos em comunicação de riscos, com um significado muito estreito e que não fecha a conta, que seria o de comunicar decisões, de comunicar algo que já ocorreu, comunicar algo que está em curso, quando a comunicação de riscos, ela tem um grande desafio e que define a importância dela, que é nós conseguimos chegar antes das tragédias, antes dos fatos se materializarem. Então, quando nós pensamos se partirmos de um exemplo, como de um desastre associado a um extremo climático, a comunicação de risco, a importância está exatamente, tanto o poder público, a comunidade científica, as organizações da sociedade civil, os organismos internacionais, e principalmente, ou não isoladamente, mas com bastante importância, os profissionais, da comunicação, não só da imprensa, mas das diversas instituições, nós conseguimos falar sobre os riscos antes deles se materializarem, em algo extremamente, custoso, danoso, nocivo para a sociedade. Quando você pergunta, sobre os principais erros que os comunicadores cometem, eu vou dividir, trabalhando num modelo que eu desenhei anos atrás e que particularmente gosto muito de adotar, nos modelos de comunicação de riscos e os comunicadores dentro de cada um desses modelos acabam cometendo alguns erros, mas também a gente precisa focar nos acertos, mas se nós pensarmos num modelo da comunicação de riscos intra-institucional que ocorre dentro, da estrutura da instituição que no Brasil, a principal seria a defesa civil, o primeiro o erro é imaginar que falar sobre riscos vai provocar pânico, isso é um mito, não gosto de usar falácia, pois pode parecer uma expressão um pouco pesada, mas é uma informação, um argumento que alguém usou e ficou, comunicar os riscos não pode provocar pânico, o que vai provocar pânico é a comunicação de uma tragédia, é falar sobre uma tragédia no momento em que uma tragédia esteja em curso. Esse é um primeiro erro, achar que devemos esconder os riscos embaixo de um tapete, colocar debaixo de um tapete, é o primeiro risco, o primeiro equívoco ou erro. O segundo, quando nós falamos no modelo que eu adoto, o interinstitucional, os riscos por serem multifacetados, eles vão demandar uma abordagem dos diversos segmentos, setores da sociedade envolvidos, direta ou indiretamente com eles, portanto imaginar que um risco vai envolver a área da educação, da ciência e tecnologia, dos direitos humanos, da pessoa com deficiência, uma pasta que trata da questão do desenvolvimento ou questão econômica, essa abordagem interinstitucional entre as diversas instituições envolvidas com esse tema, um primeiro erro que ocorre é que não existe um porta-voz, muitas vezes não existe um porta-voz, até porque não existe um comitê de risco, os comitês que são criados são comitês de crise e aqui há um grande, mas um grande equívoco. Quando nós instituímos comitês de crise, é porque nós deixamos de instituir comitês de riscos, sendo que os riscos precisam vir antes das crises, eles vêm antes das crises, então eles precisam ser tratados desta forma, portanto num modelo midiático, de comunicação de riscos, o erro mais comum nessa abordagem é aquele que leva à imprensa a cobrir o fato consumado, ainda que nós venhamos a falar: bom, mas tem critérios de noticiabilidade, o risco precisa ter, ele tem critérios de noticiabilidade, ausência de gestão de riscos ou os esforços para gerenciar riscos, precisa vir à matéria. Nós precisamos mudar essa cultura no jornalismo brasileiro. E aí eu vou para outro modelo que é o direto, que é o com a comunidade e esse tema precisa ser levado para dentro das comunidades pelas instituições responsáveis, como a Defesa Civil, lembrando que as comunidades têm as suas agendas. As comunidades estão discutindo a insegurança alimentar, o desemprego, estão enfrentando, nem discutindo, estão enfrentando a insegurança alimentar, o desemprego, a violência em todas as formas, a precariedade da prestação de serviço público. Então falar sobre desastres com as comunidades é competir com outras pautas também. Em síntese, eu acho que assim, não dá pra gente falar dos erros isoladamente, mas como todos esses atores sociais e aqui eu faço a minha culpa como academia, mas também como jornalista, os principais erros que nós cometemos, e esse erro está associado ao entendimento equivocado mesmo em relação aos riscos quando na verdade não estamos falando sobre tragédia, sobre o fato consumado, mas aquilo que é talvez até uma causa de raiz, chegar até as causas possíveis desses acontecimentos.
Como os comunicadores podem abordar essa temática de forma eficaz?
Observar o que cada um desses segmentos, desses setores da sociedade, todos eles. As comunidades, as instituições da sociedade civil, a defesa civil, os órgãos públicos e os organismos internacionais. Como está a agenda dos riscos nesses setores e como essa agenda é publicizada, porque quando um tema não é publicizado, quando ele não é popularizado, com todo cuidado para não provocar a saturação. Uma analogia que eu sempre gosto de fazer é comparar a cobertura de guerra com a cobertura das tragédias, dos desastres, a guerra também é uma tragédia, então a cobertura de guerras é a cobertura de desastres, quando você fala muito de uma guerra, a cobertura de uma guerra num determinado momento, ela chama a atenção da opinião pública. Vimos acontecer com a retirada das tropas dos Estados Unidos e aliados no Afeganistão, vimos os primeiros dias, semanas e meses da guerra da Rússia na Ucrânia, vimos os acontecimentos após 8 de outubro entre Israel e Palestina. Os desdobramentos e depois o sofrimento humano, ele vai caindo numa normalidade, ele vai se misturando com a paisagem do cotidiano. Quando nós falamos de tragédias, de desastres associados às mudanças climáticas, nós temos que tomar muito cuidado para que essas fórmulas da cobertura que focam na dor e no sofrimento. Claro que é para mostrar sim, mas primeiro entender que estamos tarde demais quando comunicamos as tragédias e que essa fórmula ela pode custar muito para o enfrentamento das mudanças climáticas, porque vai chegar um momento em que não chama mais atenção da opinião pública local ou internacional. Estamos comunicando a tragédia consumada e sabemos que, e nós estudamos isso no meu grupo de pesquisa, jornalismo humanitário e intervenções de mídia tem estudado, por exemplo, a fadiga da compaixão. Chega um determinado momento, todo mundo vai doar, vai ajudar as vítimas de uma tragédia num determinado local, tem um movimento para ajudar as vítimas e depois as pessoas seguem as suas vidas. Então a forma eficaz é acompanhar o que todos os setores estão fazendo para a gestão ou sobre a gestão de riscos de desastres e para a redução dos riscos. Quais são as políticas de enfrentamento, quais são as propostas, as ações de enfrentamento. Uma expressão que eu gosto muito de usar, que eu tenho usado muito com os meus alunos e alunas nas pesquisas, que é o enfrentamento na sua base cotidiana, não é nada milagroso, nada cheio de destaque, é na base cotidiana. Porque os desastres são construídos na sua base do dia a dia. Então o que nós estamos fazendo, o que a academia está fazendo, o que as comunidades estão fazendo, o que a defesa civil está fazendo, as defesas civis no Brasil inteiro, o que os ministérios, o que as pastas responsáveis, secretarias responsáveis por esse tema estão fazendo, as empresas, a iniciativa privada está fazendo. Pensar em aproximar, em ter essa conexão de comunicação, ter essa grande conexão entre os diversos setores da sociedade que lidam com essa grande ameaça que são as mudanças climáticas.
Quais as suas expectativas para as discussões que ocorrerão no III Congresso de Comunicação Pública que esse ano será na Universidade Federal de Sergipe?
Discutir comunicação de riscos no contexto da emergência climática, num Congresso de Comunicação Pública, é convidar todos os atores sociais, as instituições públicas, mas também, todos os setores da sociedade para a importância da comunicação, não da informação. Informação é importante, mas informação, embora muito importante, ela está dentro do coração da comunicação. Ela é uma parte da comunicação porque nós estamos falando de um processo social. A comunicação é esse processo social, é um processo contínuo, é um processo que pode e consegue impedir a inação das diversas instituições frente a essa ameaça, que são as mudanças climáticas. Minhas expectativas são gigantes, já muito positivas, sobretudo por esse convite para discutir esse tema, saber que esse tema vai estar na pauta do Congresso e que nós vamos poder trocar informações, trocar ideias, compartilhar experiências, e tudo isso faz parte da comunicação de riscos. A comunicação de riscos está longe de ser a comunicação da tragédia. A comunicação de riscos é o processo social, um processo que permite essa troca constante entre os diversos atores sociais, entre pessoas e entre grupos. Sobre riscos que dizem respeito à nossa vida, que definem a e acabam desenhando o nosso cotidiano. Então, é um tema bastante espinhoso, porque nós estamos diante de uma cultura, não só no Brasil, e eu falo com segurança por passar, ter passado por vários países e ter trabalhado como enviada especial em diversos países, em todos os continentes, e cobrir conferências do clima das Nações Unidas. Meu entendimento é que a diferença do desafio das pessoas e das instituições entenderem que a comunicação de riscos vai alcançar a sua eficácia, a sua grandiosidade, quando nós conseguirmos reduzir um traço cultural que ainda é muito forte no nosso país, que é aquele focado nas tragédias, nos fatos consumados. Então, quando nós conseguirmos falar sobre riscos com bastante naturalidade, com bastante lucidez, segurança, sabendo que nós não vamos provocar pânico, porque o que provoca o pânico é a tragédia. Então, as instituições têm o dever de comunicar os riscos associados às mudanças climáticas, e entre essas instituições estão a academia, estão os meios de comunicação, estão as defesas civis, todos nós, na verdade, que fazemos parte, inclusive, do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, que, na verdade, sintetiza ou congrega todas essas instituições. Para mim será um grande prazer estar com vocês na Universidade Federal de Sergipe, discutindo esse tema que, como os meus alunos e alunas gostam de dizer, é um tema muito caro para todos nós, porque define não só o futuro da humanidade, mas cada dia mais fica evidente que tem definido o nosso presente, e principalmente o presente das populações em situação de maior vulnerabilidade socioambiental.

