O papel da informação no enfrentamento dos desastres

Entrevista com o presidente da ABCPública, Jorge Duarte, sobre os desafios da comunicação governamental em tempos de emergência climática e o papel das universidades na formação de comunicadores para esse cenário

Por Gabrielle Lima e Larissa Xavier (DCOS/UFS)

Entre os dias 20 e 22 de outubro, a Universidade Federal de Sergipe (UFS) vai sediar o III Congresso Brasileiro de Comunicação Pública (III ComPública), com a temática “Emergência Climática e Direito à Informação”. O congresso é realizado pela ABCPública, e vai reunir comunicadores da área pública-governamental e do terceiro setor, pesquisadores e estudantes. O propósito da instituição é promover a comunicação pública focada no cidadão, além de desenvolver e apoiar padrões ideais para a atuação dos profissionais em diversas esferas. 

Para falar sobre comunicação pública e sua relação com as mudanças climáticas, as repórteres Gabrielle Lima e Larissa Xavier conversaram com o presidente da ABCPública e doutor em Comunicação Social,  doutor em Comunicação Social formado em Jornalismo e em Relações Públicas pela Universidade Católica de Pelotas e  Mestre e Doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, Jorge Duarte. Ele atuou na Secretaria da Comunicação da Presidência da República (2004-2012), na qual foi coordenador do Programa de Atualização em Comunicação de Governo, assessor especial e diretor do Núcleo de Comunicação Pública. Atualmente, é analista da Embrapa, sendo coordenador de Jornalismo, gerente de Comunicação Estratégica e assessor da Presidência. Autor e organizador de 26 livros, o comunicador aborda temas como estratégia, comunicação, metodologia, relações públicas, assessoria de imprensa e comunicação pública. 

Nesta entrevista, as repórteres buscaram resgatar a história da  da ABCPública, além de destrinchar os rumos atuais da comunicação pública e como ela é influenciada pela crise climática. 

Como surgiu a proposta de criação da ABCPública, para representar os  comunicadores da área pública-governamental e do terceiro setor?

Isso, na verdade, vem do século passado. A gente discutia com o pessoal de relações públicas o desgaste que tinha o conceito de comunicação governamental, porque relacionava à divulgação de órgãos públicos. E, por conta do regime militar, ele usou a comunicação governamental como ferramenta de censura e manipulação. E, assim, isso criou toda uma rejeição, um preconceito, uma visão errada dessa comunicação. 

A partir de uma literatura europeia, o conceito de comunicação pública é visto como comunicação de serviço público. Começamos a discutir sobre a ideia de comunicação pública como uma comunicação voltada para o cidadão e fizemos textos, livros sobre isso. Quando eu trabalhava na presidência da república, criamos uma diretoria de comunicação pública, que tinha um programa desse tipo. E eu acho que, de alguma maneira, profissionais da área se identificaram com o conceito.

Então fizemos uma associação e nos surpreendeu o grau de adesão. Tivemos essa aderência porque o pessoal da área pública sente necessidade de trocar ideias, de discutir experiências, de fazer circular informação e de brigar por uma comunicação de qualidade na área pública. Então isso fez a ABCPública, de alguma forma, ganhar algum tipo de densidade num período relativamente curto. Em sete anos nós passamos de dez pessoas, acho que eram dez, para quatrocentos e com diretorias e com representações em todo o Brasil. 

Como você caracteriza que seria a visão da ABCPública, frente ao cenário atual da comunicação, que é justamente quanto a essa dicotomia, entre a comunicação governamental e a comunicação pública?

Só para ficar claro: ninguém é contra a comunicação governamental. Só que por conta de uma cultura no Brasil de propaganda na área pública, essa é uma área em  que se consolidou a ideia de que as pessoas fazem propaganda, fazem publicidade de autoridades, evitam o diálogo, etc. O fomento da comunicação pública, na verdade, foi uma estratégia de, em certa medida, valorizar essa comunicação, mas sendo bem feita. O problema é que antes não havia espaço profissional, nem acadêmico para se falar sobre isso e, praticamente, não tinha literatura. 

Tentamos mudar o enfoque, mas não somos necessariamente contra a área governamental. A gente acha que a própria comunicação pública incorpora a comunicação governamental. E eu diria que a principal tarefa nossa é melhorar a comunicação governamental desse país. Agora fazemos isso com uma perspectiva de lógica voltada para o cidadão. Então a nossa conversa sempre parte dele, não parte da instituição pública, não parte do governo. Esse é o grande truque que a gente usou para despertar a atenção e o engajamento das pessoas.

Sobre o congresso desse ano, o terceiro congresso que a ABCPública está fazendo, o tema que vocês propõem é a “emergência climática e o direito à informação”. E qual você diria que é a importância do evento se dedicar a essa discussão nesse contexto da comunicação pública? 

Entendemos que a crise climática é um problema que veio para ficar, que atinge todo mundo e as organizações públicas têm que estar atentas e preparadas para lidar com isso. Passamos dessa parte de que tínhamos de avisar, convencer as pessoas de que o clima está mudando. Dessa forma, os órgãos públicos são uma espécie de linha de frente, já que eles têm a responsabilidade de informar, orientar, esclarecer, educar e preparar as pessoas para essas mudanças.

Quem trabalha em comunicação de órgão público tem que estar preparado para ajudar os cidadãos. Então, você tem que ter estratégia, planejamento, análise de risco, campanhas educativas, agilidade nas respostas, e isso tudo faz via comunicação. Até porque essas coisas estão acontecendo lentamente, mas você tem impactos que são muito imediatos, muito brutais, como no Rio Grande do Sul, por exemplo, que teve secas em alguns lugares, incêndios em outros, alagamentos em São Paulo. 

Na sua avaliação, quais são os principais desafios hoje que os comunicadores públicos enfrentam nessa abordagem das mudanças climáticas? 

Eu acho que um desafio importante é a respeitabilidade, a elevação da  comunicação a um patamar de  política pública, para que efetivamente ajude o Estado e as instituições públicas a cumprirem seu papel. “Historicamente, o comunicador público foi visto apenas como um divulgador de informações. No entanto, a comunicação deve ocupar um papel central, participando ativamente da formulação das políticas públicas. É fundamental que essas políticas sejam pensadas de forma comunicativa desde o início, pois, quando a comunicação é envolvida apenas ao final do processo, resta-lhe apenas a tarefa de divulgar, sem margem para contribuir efetivamente.” Junto a qualquer política pública você precisa ter uma estratégia de comunicação Então, essa é uma das principais argumentações nossas, os principais entraves do processo, mas existem outros como as instituições em geral que são pequenas, muitos profissionais de comunicação não têm acesso à alta administração.

Os eventos climáticos, como você disse, chegaram para ficar, e só tendem a ser sempre mais extremos. Então, de que forma você acha que os comunicadores podem se preparar para cobrir eventos, como o que aconteceu no Rio Grande do Sul, por exemplo, para garantir informação sem desafiar o aspecto da ética? 

Eu penso  que instituições cada organização e respectivos comunicadores devem lidar com a crise climática na especificidade da sua organização. Não adianta eu, Jorge da Embrapa, querer resolver os problemas de comunicação das mudanças climáticas. Isso, talvez, quem possa pensar é Ministério do Meio Ambiente, mas eu tenho que estar preparado para mudança climática no que se refere à minha organização. 

Então, eu acho que é papel de cada comunicador, de cada instituição, ver como a mudança climática afeta o público da sua organização, a missão da sua organização, e preparar para que ela consiga lidar com isso com muita competência. Isso Mudança climática deve ser  um tema, uma agenda, e cada organização tem que ver como se encaixa nessa agenda, Se cada organização pública fizesse isso, eu diria que 60% dos problemas estariam resolvidos.

Voltando a falar sobre o III ComPública, o que os congressistas podem esperar desse evento promovido pela ABCPública em parceria com a Universidade Federal de Sergipe, i? 

O que a gente espera e de uma maneira imediata, e já está acontecendo, é uma adesão da instituição, dos professores, dos alunos, porque esse evento só vai funcionar, só vai ter um impacto, se houver uma adesão fortíssima do corpo da universidade. A gente gostaria muito que o pessoal de comunicação e de outros cursos, aderissem a essa discussão, porque é uma discussão muito importante.

Nós estamos falando de comunicação pública, de mudança climática, direito à informação. Essas são questões centrais para qualquer pessoa. Mas a ideia não é só discutir, a ideia é aprender, ensinar e identificar práticas melhores, ou seja, sair do evento com melhores práticas, com mais gente consciente e com mais soluções.

A ABCPública não é uma entidade de discussão teórica. Dentre os associados temos professores, pesquisadores e tal, mas o nosso mote é como executar melhor, como fazer comunicação pública melhor. Todos os posicionamentos oficiais,  e projetos que empreendemos estão t relacionados a impacto no dia a dia.

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