Orçamento do Estado, em Portugal, foi palco de uma batalha informativa e desinformativa.
Se no meu bairro houver um assalto por mês sem que eu saiba, a minha sensação de segurança mantém-se. Mas se souber reiteradamente essa informação sentir-me-ei inseguro. A média de assaltos mantém-se, mas muda a minha circunstância pessoal e a minha relação com a sociedade. A informação adquire um lugar fundamental na vida de cada indivíduo e da sociedade em geral.
Thomas Love Peacock, autor de originais romances de ideias, dialogados, escrevia em 1831 que “o descontentamento dos trabalhadores no nosso tempo é mais uma prova da superior informação que eles detêm do que da deterioração” da sua condição. Proponho a Lei de Peacock: mais informação gera mais descontentamento.
Passados quase 200 anos, num mundo totalmente mediatizado, a afirmação é válida para todos. O descontentamento é generalizado. O cinismo do cidadão perante informações diferentes, ou tratadas de forma diferente, cresce. Desconfia do que vê, ouve, lê. Duvida de políticos, jornalistas, comentadores. A informação tomou o lugar dos factos. Conta mais a informação sobre um facto do que o próprio facto.
Nunca o conceito de Marx sobre estrutura e superestrutura foi tão válido. A estrutura refere-se às relações económicas e à base material; a superestrutura inclui a cultura, a ideologia e instituições sociais como os media e pesa hoje como chumbo sobre a estrutura. Cresceu desmesuradamente. Através da informação e espectáculo, não vemos o que mais conta nas nossas vidas, o que ocorre na estrutura. A hipervalorização da superestrutura leva a que a propaganda ou propagandas sejam muito eficazes: se não vemos os factos senão pela sua mediatização, ficamos dependentes das interpretações e manipulações que deles se fazem. É o lado negativo da proliferação mediática.
Por exemplo, o orçamento do Estado foi palco de uma verdadeira batalha informativa e desinformativa. Do seu “esboço” ao documento final, que não tem já nada a ver com aquele, o tratamento mediático tornou difícil entender, pelos tiros em todas as direcções, os dados estruturais, da realidade, e como comparam com o passado. Mascararam os aumentos de impostos. Valorizaram a “vitória do governo em Bruxelas” (mas qual vitória, se rasgou o “esboço” e fez quase tudo o que “Bruxelas” queria?).
Nas redes sociais, metade diz que o orçamento é um maravilhoso amanhã que canta, metade que é a continuação da austeridade. No final do ano, os bolsos dos cidadãos estarão iguais ou mais vazios, mas entretanto o governo obtém uma vitória superestrutural de que não se pode diminuir a importância — precisamente porque vivem os submersos na superestrutura.
Fonte: Eduardo Cintra Torres, colunista do jornal Correio da Manhã, Lisboa – 07.02.2016 00:30.
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