A pesquisa foi feita como parte do plano estratégico para promover a prevenção da violência contra a infância.
Maria tem 10 anos, mora na Indonésia, e diz que acha a educação importante porque quer ser inteligente e virar policial quando crescer.Já Comfort, de 11 anos, não poupa críticas aos dirigentes de seu país, Ghana. E diz que se fosse presidente, asseguraria que todas as crianças pudessem ir à escola.
Demian, um lindo boliviano de 10 anos, conta o que mais o atrai na escola: “Aprender tudo o que é ligado à computação”.Essas crianças estão entre as mais de seis mil que foram entrevistadas pela equipe da organização Child Fund Alliance em todo o mundo para a pesquisa “Pequenas Vozes, Grandes Sonhos”, versão 2016, que acaba de ser lançada. Crianças de 31 nações foram ouvidas: 3.658 dos entrevistados moram em países em desenvolvimento, enquanto 2.568 são de países desenvolvidos.
O estudo traz boas e más notícias. A boa notícia é que para a grande maioria das crianças entrevistadas, a escola é um lugar de “aprender coisas novas”, primeira resposta dada por 47% dos entrevistados quando perguntados o que gostam mais da escola. Em segundo lugar, os meninos e meninas dizem que gostam muito de “trabalhar com professores” (29%) e estar com amigos (26%).
O mantra que as crianças ouvem repetidas vezes, dos pais e outros adultos, elas repisaram em toda a pesquisa: para 98% delas, a educação é importante. Mas essa importância é percebida pela maioria como uma ponte para o mercado de trabalho.
Busquei na minha estante um estudo qualitativo lançado em 2012 em formato de livro chamado “Os Batalhadores Brasileiros”, onde o geógrafo e ex-presidente do Ipea Jessé Souza e sua equipe da Universidade de Minas Gerais comprovam que essa premissa não é para todos:
“Os batalhadores, na sua esmagadora maioria, não possuem o privilégio de terem vivido uma etapa importante da vida dividida entre brincadeira e estudo. A necessidade do trabalho se impõe desde cedo, paralelamente ao estudo, o qual deixa de ser percebido como atividade principal e única responsabilidade dos mais jovens como na privilegiada classe média”, diz o texto.
A pesquisa feita no Brasil talvez explique essa reação das crianças no estudo da ChildFund. A percepção de que a educação é a forma de conseguir chegar ao mercado de trabalho é maior nas crianças que moram em países desenvolvidos (64%) do que nas que moram em países em desenvolvimento (40%).
“Isso fica mais evidente nas respostas das crianças que moram em países em desenvolvimento: 64% acham que a educação e poder ir à escola os tornarão mais aptos a conseguir melhor emprego, enquanto que essa porcentagem baixa para 40% quando as respostas vêm de crianças que moram em países desenvolvidos”, concluem os pesquisadores.
De qualquer maneira, não é muito animador saber que as crianças andam percebendo a escola apenas como uma ponte para o mercado de trabalho. Mesmo nos países desenvolvidos, apenas 24% dos meninos e meninas dizem que a educação pode fazer delas pessoas melhores. E 20% das que moram em países em desenvolvimento entendem que, indo à escola, poderão cuidar melhor de seus pais no futuro. Essa porcentagem cai bastante, para 6%, no caso das crianças que moram em países ricos.Em Bangladesh, 40% das crianças acreditam que a educação poderá fazer delas pessoas especiais, líderes que farão diferença em seu país.
Um dos tópicos levantados pela pesquisa foi a questão da segurança. Um terço (31%) das crianças entrevistadas a nível global disseram que suas escolas são nunca ou só às vezes seguras, enquanto 60% disseram que são sempre seguras. E 3% disseram que nunca se sentem seguros nas suas escolas.
Quando perguntadas sobre o que significa estarem seguras na escola, as crianças mencionaram uma variedade de fatores, desde instalações de alta qualidade, sentir-se livres de violência ou abuso, ter medidas fortes de segurança no lugar e aprender com professores que os alunos confiem e respeitem.
Para Ángel, de 10 anos, que mora no Paraguai,estar seguro em uma escola significa que nada de mal vai acontecer a ele enquanto estiver lá dentro. Amina, de 12 anos, morador em Ghana, descreveu assim a segurançaescolar: “É a gente se sentir seguro na escola”. Camila, de 10 anos, moradora do Paraguai, disse que sua escola é sempre segura porquedesde que se recorda, ninguém nunca entrou lá para roubar. Já para 58% das crianças que responderam à pesquisa na Índia, Etiópia e Bangladesh, estar seguro na escola significa que as construções e instalações do prédios são seguras e limpas.
Quando foram perguntados sobre soluções para esse problema, 43% de todas as crianças disseram que se sentiriam seguros na escola se medidas de segurança existissem para manter os alunos protegidos contra danos.
Para a secretária geral do ChildFund Alliance, Meg Gardinier, o fato de que muitos não se sentem seguros na escola é preocupante:
“A segurança é um pré-requisito para aprender. Os líderes do mundo reconhecem a importância de uma educação significativa e segura quando adotaram o Objetivo #4 de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas em setembro de 2015: ‘Assegurar educação de qualidade, inclusiva e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem para a vida toda para todos”, disse ela.
Mais de um quarto, ou seja, 26% das crianças entrevistadas globalmente, já tiveram que faltar aulas para trabalhar e, é claro, essa porcentagem é maior (31%) nos países pobres do que nos países ricos (8%).
A pesquisa foi feita como parte do plano estratégico da organização para promover a prevenção da violência contra a infância.E bem poderia servir para que líderes das nações das crianças entrevistadas, o Brasil entre elas, levasse em conta na hora de tomar decisões. É bom lembrar que organizações da sociedade civil existem também para fornecer aos governantes material que ajude a fazer políticas públicas que, de verdade, vão de encontro aos interesses dos cidadãos.
Fonte: G1