Bandas de rock fazem crítica da imprensa

Os jornalistas acreditam que “a atualidade” deve ser divulgada imediatamente. Só que certas “atualidades” que empanturram as folhas são discutíveis. Às vezes não valem dez linhas e acabam enchendo uma página. O tema é antigo e Thomas Jefferson dele fez uma profissão de fé: “É tão difícil traçar uma linha clara de separação entre o ‘abuso’ e o uso ‘sadio’ da imprensa que eu a protegerei em seu direito de mentir e caluniar.” A ideia de que a missão dos jornalistas e da mídia seja tão alta que ninguém possa questioná-la é ilógica. É aí que entra a questão da ética profissional. A grande crise da imprensa não é nem tanto econômica ou ideológica, mas de caráter – e isso vale tanto para os dirigentes das empresas de comunicação como para os jornalistas. Portanto, o jornalismo de qualidade só pode ser atingido com responsabilidade de expressão.

Como doutrina o professor da UFMG Anís José Leão, “para ser jornalista sem ferir os princípios éticos, é preciso ter em mente que seremos julgados não apenas pela lei dos homens, mas pela lei que está escrita no coração”. E, como sentenciou Platão, “a alma refletiva e disciplinada é a alma boa” – a palavra “bom”, no entanto, não tem apenas o sentido ético que hoje se dá a ela, mas é adjetivo correspondente ao substantivo grego aretê e, portanto, quer dizer “toda a classe de virtude ou excelência”. A mencionada categoria ética em tela deve ser o grande ideal dos profissionais de comunicação midiática. Entretanto, a respeito do tema em destaque, convém destacar a existência de um triste paradoxo: as empresas jornalísticas vão muito bem, mas a profissão de jornalista vai mal. Verdade: as empresas se modernizaram, a informatização tornou o jornalismo um exercício de extrema velocidade, o faturamento subiu, mas o “produto final” – a informação – tem merecido cerrada crítica da sociedade.

No seio da queda da credibilidade jornalística, encontra-se a transformação do interesse público em mero apêndice dos anseios exclusivamente mercadológicos. Em inteligente crítica direcionada à inescrupulosa relação entre os conglomerados econômicos e midiáticos, que vêm favorecendo as ideologias hegemônicas e silenciando as vozes alternativas, o roqueiro inglês Billy Bragg ressaltou, em “It Says Here” (1985), que: “It says here that the unions will never learn/It says here that the economy is on the upturn/And it says here, we should be proud that we are free/And our free press reflects our democracy/[…]/If this does not reflect your view, you should understand/That those who own the papers also own this land” (Aqui diz que os sindicatos nunca vão aprender/Diz aqui que a economia está em recuperação/E diz aqui, devemos estar orgulhosos de que somos livres/E nossa imprensa livre reflete nossa democracia/[…] Se isso não reflete sua visão, você deve compreender que aqueles que possuem os jornais também possuem esta terra”). Riqueza e poderio figuram entre os objetivos de todas as sociedades humanas, mas não deveriam ser os objetivos prioritários de uma sociedade democrática: para ela, o essencial habita a liberdade, a igualdade, a justiça, a fraternidade –, que não serão jamais simples subprodutos da expansão econômica.

O sistema imperante e a busca de privilégios

É possível detectar outras razões para a falência da crítica balizada no noticiário corrente. Quando agem de forma severa e destemperada, jornalistas perdem a compostura informativa e opinativa e passam a imprimir juízos de valor precipitados e arrogantes. De defensores da justiça, acabam se tornando justiceiros e, assim, promovem perigosamente o sensacionalismo midiático. Neste sentido, continua sendo oportuno o alerta dado pela banda britânica The Jam, na canção “News of the World” (1977):

“Look at the pictures taken by the cameras they cannot lie/The truth is in what you see, not what you read/Little men tapping things out, points of view/Remember their views are not the gospel truth/Don’t believe it all/Find out for yourself/Check before you spread/News of the world/[…]/Read between the lines and you’ll find the truth” (“Olhe para as fotos tiradas pelas câmeras que não podem mentir/A verdade está no que você vê, não no que você lê/Homens pequenos tocando as coisas, pontos de vista/Lembre-se de que seus pontos de vista não são a verdade do evangelho/Não acredite nisso tudo/Descubra por si mesmo/Confira antes de espalhar/As notícias do mundo/[…]/Leia as entrelinhas e você vai encontrar a verdade”).

Quando a futilidade ocupa, com demasia, o espaço jornalístico, nulidades se tornam prioridades, prejudicando assim o bom andamento da mídia. Cresce a passos largos o jornalismo bisbilhoteiro. Com isso, o jornalismo investigativo vem perdendo força. O vale-tudo pela audiência contribui pesadamente para essa grave distorção de valores. Tais acontecimentos já haviam servido de mote para a fabulosa música “Sunday Papers” (1978), cantada pelo britânico Joe Jackson. Ironicamente, ao listar todas as coisas úteis que se pode aprender ao ler um jornal, o eu-lírico destaca: “If you want to know about the bishop and the actress/If you want to know about the stains on the mattress/If you want to know about the gay politician/If you want to know about the new sex position,/you can read it in the Sunday papers” (“Se você quer saber sobre o bispo e a atriz/Se você quer saber sobre as manchas no colchão/Se você quer saber sobre o político gay/Se você quer saber sobre a nova posição sexual,/você pode ler nos jornais de domingo”).

Sabemos muito bem do papel e da importância do jornalismo na sociedade moderna. Chamada de “quarto poder”, a imprensa precisa ser marcada pela responsabilidade, pela seriedade, pela serenidade, pelo equilíbrio e pelo compromisso com a verdade. Caso contrário, a mídia perde seu sentido esclarecedor e pluralista na orientação da opinião pública para compor cinicamente o mandonismo do sistema imperante e a busca constante de privilégios.

Fonte: Observatório da Imprensa, 02/02/2016, edição 888. Por Marcos Fabrício Lopes da Silva, professor universitário, jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários.

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