Decreto regulamenta publicidade de alimentos infantis (2)

Por: Agência Senado

O governo federal vetou a publicidade de alimentos infantis que seriam prejudiciais à amamentação, como papinhas, leites artificiais e até mamadeiras. A ideia é regular a alimentação das crianças de até 3 anos e evitar a interferência da publicidade nas campanhas de incentivo ao aleitamento materno.
De acordo com o Ministério da Saúde, os estabelecimentos terão o prazo de um ano, a partir da publicação do decreto, para se adequarem às novas medidas. As restrições à propaganda infantil também vêm sendo debatidas no Senado e são tema de projetos que se encontram em tramitação na Casa.
O Decreto 8.552/2015, que regulamenta a Lei 11.265/2006, foi assinado no dia 3 pela presidente da República, Dilma Rousseff, na 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
A lei trata da comercialização de alimentos para mães e crianças durante o período da amamentação e proíbe que esses produtos, além de mamadeiras e chupetas, tenham propagandas veiculadas nos meios de comunicação.
A regulamentação também restringe descontos e exposições especiais desses alimentos e produtos em supermercados. Quanto à rotulagem, a regra proíbe que as embalagens contenham fotos, desenhos e textos que induzam ao uso. E obriga que elas tragam a idade correta indicada para o consumo.
Os rótulos deverão exibir um destaque sobre os riscos do preparo inadequado e instruções para o uso correto, inclusive com medidas de higiene a serem observadas e dosagem para diluição, quando necessário.

Manifesto

No caso de chupetas, mamadeiras e bicos, a nova legislação determina que sejam informados os prejuízos que o uso desses materiais pode causar ao aleitamento materno.
Também é proibida a atuação de representantes comerciais nas unidades de saúde, salvo para a comunicação de aspectos técnico-científicos dos produtos aos pediatras e nutricionistas.
Ao final da conferência, foi aprovado manifesto que vai ajudar o governo federal a organizar a defesa da alimentação saudável e a combater as doenças decorrentes da má alimentação.
O documento foi aprovado por mais de 2 mil pessoas que participaram do evento, entre delegados, convidados, representantes da sociedade civil e observadores internacionais.
O texto propõe ainda que instituições de ensino, pesquisa e extensão, organizações da sociedade civil e escolas públicas e privadas sejam parceiras nas iniciativas que tratam da segurança alimentar e nutricional.
Entre ações previstas, estão a orientação para a produção, a comercialização e o consumo de uma alimentação adequada e saudável. Também o controle e a fiscalização social das políticas públicas sobre o setor.

Nutricionista aponta importância de mudar hábitos

Especialista em nutrição clínica funcional e mestre em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB), a nutricionista Narjara Bravin concorda com a restrição de publicidade dos alimentos infantis. Ela diz que a amamentação tem vantagens comprovadas e que deve ser estimulada, inclusive como forma de orientar hábitos alimentares futuros.
A nutricionista é mãe de Miguel, de 1 ano e 10 meses, a quem ainda não apresentou o açúcar nem alimentos ultraindustrializados. Segundo ela, a opção por alimentos saudáveis até os 2 anos de idade da criança contribui para a continuidade das boas escolhas até o fim da vida.
Narjara explica que os hábitos alimentares não são formados por imposição.
— Aquilo que é imposto não se torna um hábito, independentemente de ser bom ou ruim. Portanto, bons hábitos alimentares na infância serão originados quando os pais escolherem alimentos saudáveis para eles próprios, influenciando seus filhos a escolherem o mesmo — diz.
De acordo com Narjara, a Lei 11.265/2006 destaca as vantagens da amamentação frente aos produtos comercializados para bebês e mães nesse período.
—A mídia é um importante veículo na conscientização e promotora de mudanças de atitudes. Por isso, ter na mídia propaganda sobre o aleitamento materno traria maior segurança e estímulo a essa ação. Seria interessante que essas propagandas fossem baseadas em exemplos de mães que escolheram amamentar — avalia.

Alternativas

Narjara lembra, entretanto, a ocorrência de situações adversas para as quais é preciso ter alternativas ao leite materno.
— É importante que as fórmulas infantis para substituição do leite materno existam. A legislação que diz que amamentação é importante e deve ser priorizada também dá o direito de escolha da mãe de querer ou não amamentar .
Além disso, ela ressalta que há doenças que podem impedir a amamentação.
— Por isso, os profissionais de saúde ligados aos bancos de leite e com a amamentação devem orientar a mãe nessas situações e sugerir a fórmula quando necessário — afirma.

Conscientizar família de baixa renda é desafio, diz consultor

O maior desafio no campo da amamentação é conscientizar a população de baixa renda quanto à importância do aleitamento materno. O alerta é do consultor legislativo do Senado Henrique Salles Pinto, ao destacar que esse público representa hoje 60 milhões de pessoas, o que equivale a pouco mais de um quarto da população brasileira.
— As famílias não sabem da importância do aleitamento materno, na perspectiva de médio e longo prazos, para o desenvolvimento intelectual e físico e a própria imunidade fisiológica da criança — afirma.
Segundo o consultor, o país tem cerca de 40% das crianças com até 2 meses de vida alimentadas exclusivamente com leite materno.
Autor do estudo A Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil, Salles Pinto destaca a importância de comunicar à população de menor renda os resultados dos estudos do governo federal sobre a educação alimentar.
— O público que tem mais conhecimento desses estudos já tem, em certa medida, adotado estratégias semelhantes à do governo federal. Mas o público de baixa renda ainda precisa ter progressivamente uma conscientização um pouco maior da importância do aleitamento materno, para que as crianças dessas famílias tenham a mesma oportunidade de desenvolvimento em longo prazo — afirma.
O consultor entende a iniciativa do governo de restringir a publicidade de alimentos infantis como uma estratégia que contribui para o desenvolvimento nacional e favorece a segurança alimentar e nutricional no país.
— Quando a gente tem índices de obesidade e sobrepeso acima de 50% na atualidade, isso é um fator bastante preocupante, que tem causas e origem inclusive na primeira infância — disse.
Segundo ele, o aleitamento materno exclusivo nos primeiros 6 meses de vida e até os 2 anos de idade contribui para reduzir a incidência de doenças cardiovasculares, diabetes, hipertensão e sobrepeso.
Henrique Salles Pinto ressalta que a restrição à publicidade anunciada pelo governo procura estimular a alimentação saudável de lactentes, bebês de até 6 meses e crianças de até 3 anos.
Nos primeiros 6 meses de vida, observa, a alimentação deve ser pautada com base no aleitamento exclusivo e, a partir do sexto mês até aproximadamente 2 anos de idade, com um complemento de alimentos variados, mas dentro da perspectiva de alimentação com base no aleitamento.

Para diretor de empresa, impedir propaganda é uma forma de alienação

Definir normas de conduta é melhor do que proibir. A opinião é do diretor de licenciamento da Mauricio de Sousa Produções, Rodrigo Paiva, ao comentar a iniciativa do governo federal de restringir a publicidade infantil.
Para o representante da equipe que produz as historinhas da Turma da Mônica, “impedir o acesso ao conteúdo publicitário é uma forma de alienação que pode ser prejudicial ao desenvolvimento das crianças, que serão consumidoras no futuro”.
A empresa licencia os personagens para produtos e publicidades destinados a esse público.
— Acreditamos na educação e informação desde cedo como melhores ferramentas. Temos parcerias com SPC Brasil e Procon da Prefeitura de Campinas, por exemplo, para levar informações sobre consumo consciente às famílias. O gibi do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] com os personagens da Turma da Mônica já teve mais de 30 milhões de exemplares distribuídos — afirma.
Segundo Paiva, a Mauricio de Sousa Produções apoia a utilização dos recursos da publicidade de maneira favorável socialmente, como forma de criar estímulos à produção artística e cultural do país, em vez de inviabilizar sua existência.
— A Turma da Mônica e outros personagens que têm surgido e se fortalecido nos últimos anos fazem parte do universo infantil, e provavelmente não existiriam nem teriam oportunidade de crescer em um ambiente com excessivas restrições, fazendo com que muitos artistas deixassem de dar sua contribuição ao desenvolvimento dos valores da sociedade brasileira — avalia o executivo.
Ele enfatiza que, ao lado de outros setores da sociedade, a empresa quer colaborar com as discussões acerca da regulamentação da área.
Paiva lembra, inclusive, que a Mauricio de Sousa Produções já participou de audiências públicas sobre o tema na Câmara dos Deputados e continua aberta a discutir o assunto no Congresso Nacional.
Para Rodrigo Paiva, ter uma regulamentação que proteja crianças e adolescentes é necessário.
— Tanto que o Brasil já os contempla na Constituição federal, no ECA e no CDC [Código de Defesa do Consumidor], sem contar o código do Conar [Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária], que é constantemente atualizado.

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