O trabalho tem como escopo analisar o Linchamento como controle social sob um olhar dos usuários das mídias em suas mais diversas formas de expressões
Resumo: Ao longo das últimas décadas do século XIX e no início do século XX as mídias de massa ou mídias sociais vêm transformando o mundo e, sobretudo o Brasil, na forma que a sociedade se relaciona, possibilitando desde o compartilhamento de informações, de forma eficaz e veloz, pelos próprios usuários, à propagação de ideias e opiniões, o fortalecendo do conceito de democracia; oportunizando a todos falar e escrever sobre determinado assunto; não obstante, a revolução das mídias tem escoado migalhas e marcado de forma negativa o conceito alhures mencionado, blindando o preconceito e reafirmando a intolerância aos que supostamente comentem crimes, eclodindo no fenômeno de controle social “Linchamento”, cuja principal característica é fazer justiça com as próprias mãos, respaldados na ideia de inércia do Estado, deixando de lado princípios como a Jurisdição do Estado, juiz natural, contraditório, ampla defesa e, acima de tudo, o do devido processo legal.[1]
Palavras chaves: Mídias sociais, linchamento, preconceito, compartilhamento de informações falsas, justiça com as próprias mãos.
Abstract: Over the last decades of the nineteenth century and early twentieth century mass media or social media are transforming the world and especially Brazil, in the way that people relate, enabling from the sharing of information, effectively and fast, by the users, the spread of ideas and opinions, the strengthening of the concept of democracy; providing opportunities to all speak and write on a particular subject; however, the revolution of media has drained crumbs and marked negatively the concept elsewhere mentioned, armoring prejudice and reaffirming the intolerance that allegedly commenting crimes, erupting in social control phenomenon “Lynching”, whose main characteristic is to do justice to his own hands, supported the state’s inertia idea, setting aside principles as the state’s jurisdiction, natural justice, contradictory, legal defense and, above all, the due process.
Keywords: Social media, lynching, prejudice, sharing false information, the law into their own hands.
Introdução
O presente trabalho tem como escopo analisar o Linchamento como controle social sob um olhar dos usuários das mídias em suas mais diversas formas de expressões
Dentro desse contexto, as mídias sociais têm se tornado uma ferramenta importante para o cometimento de crimes no mundo real, sobretudo através da divulgação de informações imprecisas ou duvidosas, suscitando o ódio e a violência desbaratada a grupos minoritários; graças ao sentimento que muitos usuários possuem: o da injustiça.
Sabe-se, a priori, que o fenômeno de controle social “Linchamento” é mais frequente em tempos de tensão social – política, religiosa e econômica – que muitas vezes tem sido a forma de grupos minoritários se afirmarem. Com o advento das mídias digitais, símbolos da “comunicação sem fronteiras”, esse tipo de assassinato tem se tornado frequente, possibilitando desde a contínua migração de ideias práticas de discriminação, a conceitos entre os mundos “real” e “virtual” em uma interação não isenta de contradições e sempre entrando em outras questões, como fazer justiça com as próprias mãos (Martins, 1989), condicionando as sociedades a aceitar esse tipo de violência como prática de “Justiça popular”.
Os justiceiros sociais das mídias expressam um fenômeno social de difícil conceituação, em função dos diversos aspectos que os norteiam: subversão de normas por grupos marginalizados; desconfiança na jurisdição do Estado; preconceitos de longas datas; ineficiência ou falta de presença do governo e a baixa qualidade dos serviços públicos; ilustram as possíveis causas para a incitação do fenômeno do linchamento nas mídias.
Mediante essa perspectiva, a importância do trabalho está relacionada à abordagem do anseio da sociedade por justiça, agindo de tal modo a executá-la por suas próprias forças, sem aguardar a ação do Estado. Ainda, relata a visão do linchamento sob o olhar da mídia, um meio de influência social que pode tanto dar ao linchamento um olhar de justiça, como de violência.
Materiais e Métodos
Nesse trabalho embasou-se na Metodologia de revisão bibliográfica. Leram-se livros, artigos científicos e sites especializados com casos verídicos. E a metodologia da Dialética (contraposição de ideias) a partir das leituras para compor o conceito e os reais motivos do linchamento.
Mídias sociais e a justiça popular do Brasil
“(…) não tem um, tem dois,
não tem dois, tem três,
não tem lei, tem leis,
não tem vez, tem vezes,
não tem deus, tem deuses,
não há sol a sós
aqui somos mestiços mulatos
cafuzos pardos tapuias tupinamboclos
americarataís yorubárbaros.
somos o que somos
inclassificáveis(…)”
(Arnaldo Antunes; Inclassificáveis).
As mídias sociais, como as redes digitais (networked media), como a internet, os telemóveis, os tablets ou os smartphones, são ferramentas responsáveis pela interação social e pela divulgação de informações (Fotos, vídeos, músicas, textos de opiniões, etc.), de forma veloz e eficiente, através da criação colaborativa dos próprios usuários. Isso é viável graças à democracia na qual estamos inseridos, garantida, sobretudo, na Constituição de 1988 insculpida em seu art. 5º e ao longo dos seus incisos (SAMUEL MATEUS, 2013).
Essa significação contribui para uma mudança no controle e nas influências sociais; outrora possível apenas aos que detinham poder econômico. Não obstante, em um cenário onde o controle e as influencias sociais midiáticas são fatores preponderantes na construção de informações, as mídias, por si só, têm oferecido risco ao princípio constitucional da presunção da inocência, por intermédio da divulgação e da organização de grupos dispostos a fazer “justiça com as próprias mãos”, pondo em risco também os princípios da jurisdição, devido processo legal e do juiz natural, ameaçando, assim, o Estado democrático de direito.
Sabe-se que o fenômeno do linchamento, segundo José de Souza Martins, constitui prática em que os seus praticantes se baseiam em julgamentos frequentemente súbitos, carregados da emoção do ódio ou do medo, em que os acusadores são quase sempre anônimos, que se sentem dispensados da necessidade de apresentação de provas que fundamentem suas suspeitas, em que a vítima não tem nem tempo nem oportunidade de provar sua inocência. Essa prática configura-se em uma ausência de um terceiro julgador (juiz), já que essa função do Estado consiste em fazer atuar, pelos órgãos jurisdicionais, que são os juízes e Tribunais, o direito objetivo a um caso concreto, obtendo-se a justa composição da lide (TOURINHO FILHO, s/d), violando aos princípios alhures citados.
O controle social exercido por linchadores, além de constituir crime coletivo, poderá ser configurado como patologia fruto de ilações sociais de uma sociedade instável e ávida por justiça.
Martins (1996) corrobora ainda que:
“É uma punição coletiva contra alguém que desenvolveu uma forma de comportamento antissocial. O antissocial varia de momento para momento e de grupo para grupo. Na França, ter traído a pátria era um motivo para linchar. No caso da Itália, aconteceu o mesmo. No Brasil, é o fato de não termos justiça, pelo menos na percepção”.
Graças às mídias sociais esse fenômeno tem aumentado consideravelmente nos últimos anos. E o compartilhamento apressado de uma informação duvidosa pode ser a primeira pedra para um linchamento. (LETÍCIA DUARTE, 2014).
Linchamento como Forma de Controle Social
Thomas Hobbes, no seu livro “O leviatã” atribui ao Estado, de forma absoluta, o poder para controlar seus membros, os mesmos abririam mão das suas liberdades individuais em troca de uma efetiva proteção, diga-se garantir a segurança e a posse da propriedade.
No entanto, em contraste com a teoria de Hobbes, vislumbra-se o controle social o qual o povo exerce sobre o Estado, por meio de linchamentos, como forma de garantir a soberania popular, já que aquela tem se mostrado ineficiente no que se refere a “fazer justiça”. Ora, valer-se de meios bárbaros para dizer de quem é o direito é um retrocesso social e, sobretudo, um disparate na jurisdição; é o que nos ensina Ruy Barbosa: “A justiça, cega para um dos dois lados, já não é justiça. Cumpre que enxergue por igual à direita e à esquerda.” “Obras completas de Rui Barbosa” Tomo IV – Página 60, de Ruy Barbosa.
O controle vislumbrado pelos usurários das mídias é, inexoravelmente, um controle que estabelece a ordem social e disciplina, comportamentos, sob um olhar repressivo, violentos e preconceituosos, submetendo os indivíduos supostamente criminosos a certos padrões sociais e princípios morais, ditos indiscutíveis. Para Karl Mannheim (1971, p. 178) controle social é “conjunto de métodos pelos quais a sociedade influencia o comportamento humano, tendo em vista manter determinada ordem”.
Diante de tais afirmativas é possível verificar que os linchadores sobrepõem-se ao controle exercido pelo Estado.
A justiça popular e os justiceiros das mídias
O lado que as mídias sociais vêm tomando a despeito de fatos sociais, tem tomando proporções exorbitantes, graças a sua eficácia na divulgação e reprodução de conteúdos de opinião e censura a acontecimentos ditos antissociais, isso afirma a ideia de um povo invisível à diferença e dispostos a julgá-las por critérios de aparências.
O professor Christiano Jorge Santos, citando Fabio Medina Osório e Jairo Gilberto Schafer, comentam que “o preconceito representa uma ideia estática, abstrata, pré-concebida, traduzindo opinião carregada de intolerância, alicerçada em pontos vedados na legislação repressiva”.
Martins assevera ainda que nos linchamentos ocorridos no Brasil encontram-se quatro grupos dentre formadores da multidão linchadora, o primeiro deles seria o grupo dos parentes e amigos das vítimas do linchado. O segundo grupo é formado por moradores e vizinhos. O terceiro grupo forma-se por trabalhadores da mesma profissão ou classe social. Por fim, encontram-se os grupos que constituem a multidão. Destaca-se o linchamento cometido pelo grupo de parentes e amigos das vitimas do linchado na região norte, que é menos urbanizada. E se fortalece o linchamento cometido pela multidão na região sudeste, extremamente urbanizada. O massacre é realizado, de forma geral, por homens, mulheres, donas de casa, adolescentes e até por crianças.
O autor supracitado afirma ainda em entrevista que:
“Em geral, é linchado o pobre, mas há várias exceções. Há uma pequena porcentagem superior de negros em relação a brancos. Se um branco e um negro, separadamente, cometem o mesmo crime, a probabilidade de o negro ser linchado é maior” (MARTINS, 1996, s/p).
O mundo virtual contribui, exponencialmente, para o agravamento das diferenças; é publicado nas redes: o belo e o magnífico; perfeito nas expectativas dos usuários; pagando o diferente pelos supostos fatos que são veiculados nas redes, sem maiores ressalvas. Boaventura de Sousa Santos escreve sobre a emergência do fascismo societal, certo fascismo enraizado que favorece a cultura do ódio contra o outro, contra o diferente.
Senão, vejamos o perfil da assassinada Fabiane Maria De Jesus, do Guarujá, estado de São Paulo, a mesma era caracterizada como uma dona de casa que sequestrava crianças para utilizá-las em rituais de magia negra, teve sua imagem divulgada equivocadamente na internet. Ora, o glamour a qual os usuários se propõem nas mídias, sobretudo nas redes sociais, enfraquecesse os bons costumes como a moral e a ética, ofuscados pelo calor da emoção de um fazer justiça a qualquer preço, já que no mundo virtual tudo está sob controle e que não há vez para a impunidade. O caso em tela é o maior símbolo da intolerância com o suposto feio e merecedor de punição por atos que pratica.
Conclusão
O Brasil, que é nação nova, corre a passos largos na busca de uma afirmação democrática, sobretudo na eficácia do judiciário, no que diz respeito quanto a sua atuação. Que ora sofre ataques por parte de líderes, na divulgação de suas opiniões, ora sofre criticas lamentáveis, como foi o caso da apresentadora de telejornal Rachel Sheherazade, que defendeu em rede nacional o direito de “cidadãos de bem” espancarem infratores como “uma legítima defesa coletiva de uma sociedade sem Estado contra um estado de violência sem limite”.
Não obstante, sabe-se que a justiça é lenta; e as mídias nas suas reproduções, rápidas. Atribuir juízo de valor negativo à atuação do judiciário prejudica, ainda mais, o seu mister: proferir jargões, palavras-chaves e incitar a população por meios da comunicação direta é causar danos imensuráveis a democracia, refletida na função do judiciário. É preciso mudar essa visão de ineficiência da justiça, a começar por uma polícia mais investigativa e menos abusiva.
Referências
ANTUNES, Arnaldo. Inclassificáveis. O silêncio. 1997. Disponível em: <https://www.vagalume.com.br/arnaldo-antunes/inclassificaveis.html> Acesso em: 17 de maio 2016.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma sociologia de das ausências e uma sociologia das emergências.Disponível em: <http://www.boaventuradesousasantos.pt/media/pdfs/Sociologia_das_ausencias_RCCS63.PDF> Acesso em: 19 de maio 2015.
BRASIL. Constituição, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>Acesso em: 17 de maio 2016.
DE OLIVEIRA, Simone Zanotello. Uma Definição Para Linchamento. Disponível em:<http://sizanotello.blogspot.com.br/2014/03/uma-definicao-para-o-linchamento.html>Acesso em: 18 de maio de 2016.
FOUCAULT, Michel. Sobre a Justiça Popular IN Microfísica do Poder. Roberto Machado.
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Disponível em: <https://colunastortas.wordpress.com/2015/12/14/justica-popular/>Acesso em: 17 de maio 2016.
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MARTINS, José de Souza. Linchamento, o lado sombrio da mente conservadora. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 8(2): 11-26, outubro de 1996.
MARTINS, Jose de Souza. 1996.
MARTINS, Jose de Souza. As condições do estudo sociológico dos linchamentos no Brasil. Estudos Avançados.
Notas:
Linchamento: uma análise sob a perspectiva midiática
[1] Trabalho orientado pelo Prof.MS. Ivandro Pinto de Menezes Mestrado em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba 2013. Especialização em Direito Constitucional pela ESA-PB e Centro Universitário de João Pessoa 2003. Bacharelado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba 2003. Professor Efetivo da Universidade do Estado da Bahia e da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco. Pesquisador do GEPSI/UFPB. Tem experiência na Área do Direito atuando principalmente nos seguintes temas: Sociologia Jurídica e Direitos Fundamentais. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9437367282788433
Fonte: Âmbito Jurídico