Entrevista com a doutora e mestra em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Michele Becker, sobre o papel da comunicação participativa na gestão de riscos e desastres climáticos no estado
Por Josino Tavares dos Santos Neto e Sofia Marcelle Almeida Gois (DCOS/UFS)
As mudanças climáticas têm afetado o Brasil e são compreendidas como a grande questão da ciência climática atual, além de dominar debates e reuniões para encontrar formas de reduzir os seus impactos na vida humana. Em ano da COP 30 em Belém/PA e de III ComPública, que será realizado na Universidade Federal de Sergipe (UFS), no Campus São Cristóvão, é necessário ser debatido toda a questão que envolve as mudanças climáticas, especialmente em Sergipe, que apresenta dois problemas climáticos extremos e opostos: chuvas intensas e secas intensas.
O impacto das mudanças climáticas em Sergipe afeta tanto o litoral, com risco de inundações, quanto o agreste e o sertão, com a intensificação das secas que historicamente já afetam a região e geram risco de desertificação em grande parte da terra sergipana. São duas situações: “a falta de água e o excesso de água presente nesses territórios”, resume a professora.e Michele Becker, pós-doutora em Comunicação pela Université du Québec à Trois-Rivières (UQTR/Canada), onde desenvolveu a pesquisa “Communication et participation pour la réduction des risques de catastrophe dans la gestion intégrée de leau: une analyse comparative des bassins versants du fleuve Saint-Laurent/Canada et du fleuve São Francisco/Brésil” (2019-2020).
Neste contexto, a maioria das capitais brasileiras, incluindo Aracaju, não apresenta um Plano de Mudanças Climáticas, segundo levantamento divulgado pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) em 2024. Além do mais, estimativas feitas pelo Serviço Geológico Brasileiro explicitam que cerca de 7,6 mil pessoas viviam em áreas de risco na capital sergipana.
Becker entende que o enfrentamento dos desafios que estão e serão impostos pelas mudanças climáticas exigem um investimento maior em “comunicação participativa e ações voltadas à educomunicação, no sentido de trazer a sociedade para esse debate e conscientizar o cidadão por meio de ações comunicativas”. Apesar disto, e apesar de a norma ISO 31000, que rege a gestão de riscos, incluir a comunicação de modo transversal em todas as etapas da gestão, ela critica a ausência de comunicadores no planejamento e concepção das ações. “O que percebo é que na maioria das vezes, os protocolos são compostos por equipes multidisciplinares que envolvem engenheiros, sociólogos, biólogos e químicos, mas não há um espaço dentro dessas equipes multidisciplinares para o comunicador. Isso é uma falha grave”, avalia a professora.
Becker também é doutora (2016) e mestre (2011) em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal de Sergipe (Prodema/UFS), e atuou na imprensa brasileira e franco-brasileira, sobretudo, no campo do Jornalismo Cultural. Na área audiovisual, ela participou na produção e direção de produções como “Velho Chico, a alma do Povo Xokó” (2024) e “Agosto Sangrento” (2024). Nos dias atuais, direciona seu trabalho em duas frentes: fortalecer as estratégias da abordagem ESG (Ambiental, Social e Governança) para o desenvolvimento sustentável e promover a educação midiática na sociedade.
Quais são os principais problemas enfrentados por Sergipe em relação às mudanças climáticas e quais populações são mais afetadas?
Duas questões já são realidade no Estado e a tendência é que haja um risco de intensificação desses problemas. No litoral, temos as inundações, as enchentes. Com o aumento do nível do mar, esse é um fato que tem preocupado não só Aracaju, mas toda a costa brasileira, No agreste e no sertão, que sofrem historicamente com as secas, segundo os pesquisadores, a probabilidade de essas secas se intensificarem com as mudanças climáticas é ainda maior. Por um lado, o sertanejo e os habitantes da região agreste tendem a sofrer com a desertificação, por outro, as pessoas que moram na região litorânea e, principalmente, as populações ribeirinhas, podem sofrer com uma frequência de inundações, alagamentos e enchentes. São duas situações: a falta de água e o excesso de água presente nesses territórios.
Como avalia o papel da comunicação, em suas diferentes práticas, em agendar adequadamente esses problemas no cenário local?
A Defesa Civil do Brasil publicou recentemente quais são seus principais objetivos e metas para os próximos anos. Além do enfrentamento da crise climática por meio da gestão de riscos e de desastres, ela enfatizou também a preocupação com a comunicação, porque a comunicação é fundamental antes, no momento de prevenção, para mostrar às pessoas os riscos a que elas estão propensas e possam tomar uma atitude mais assertiva nas suas decisões. E depois da prevenção, a comunicação fundamental é para mitigar esses riscos, tentar encontrar formas de reduzir os riscos e a exposição da sociedade a eles, que são identificados pelos especialistas. Ou seja, de que maneira a sociedade e os governos dão a resposta que a sociedade precisa quando o desastre já aconteceu. Logo, a comunicação é fundamental em todos os aspectos. Quando a gente fala da ISO 31000, que regulamenta a gestão de riscos, dentre as várias etapas da gestão de risco, como a identificação do risco, a análise do risco, a comunicação está presente em todas as etapas da gestão de risco. Então, a comunicação é extremamente importante não só para manter as pessoas informadas sobre o que está acontecendo, sobre quais os possíveis riscos de uma determinada ação e sobre como nós podemos reduzir esses riscos para que uma quantidade de pessoas não seja impactada, mas ao mesmo tempo, quando acontecer o desastre, é importante que os veículos de comunicação se façam presentes para que as pessoas sejam informadas de como devem proceder nessa situação de crise e de desastre.
Que estratégias, na avaliação da senhora, a comunicação no âmbito do estado pode atuar para envolver os diversos atores sociais no debate público sobre o tema?
Há alguns anos, venho ministrando uma disciplina chamada de Seminários Temáticos 5, onde trabalho com a temática da comunicação de riscos e de desastres. Durante esses anos, sempre tentei trazer a Defesa Civil como parceiro da universidade para discutir com os estudantes. Eu entendo que há um esforço, tanto da Defesa Civil do estado quanto da Defesa Civil do município, para melhorar as suas estratégias de comunicação no sentido de uma atuação mais assertiva em relação à sociedade. No entanto, como especialista, compreendo que é preciso um investimento maior naquilo que chamamos de comunicação participativa e de ações voltadas à educomunicação, no sentido de trazer a sociedade para esse debate e conscientizar a sociedade por meio de ações comunicativas. Portanto, há um esforço para informar de forma adequada e objetiva a sociedade, mas ainda é preciso trabalhar melhor, se esforçar mais e estimular mais a comunicação participativa para que os atores sociais estejam presentes nesse processo. Além disso, gostaria de enfatizar uma tecla que aperto nos últimos tempos: os municípios, os estados, obrigatoriamente, precisam constituir as suas defesas civis, e a Defesa Civil tem a obrigação de realizar um protocolo de ação em caso de situações de riscos e de desastres. O que percebo é que na maioria das vezes, estes protocolos são compostos por equipes multidisciplinares que envolvem engenheiros, sociólogos, biólogos e químicos, mas não há um espaço dentro dessas equipes multidisciplinares para o comunicador. Isso é uma falha grave, porque se a ISO 31000, que rege a gestão de riscos, pressupõe que a comunicação faz parte de todas as etapas da gestão, então, como pode ser admissível realizar um projeto, um protocolo, um relatório sobre gestão de riscos e de desastres sem a participação desse profissional? Na maioria das vezes, percebo que o jornalista apenas assina. Ele faz parte desse expediente, mas como um simples revisor do conteúdo que foi tratado, e não como um profissional que pertence àquela equipe, no sentido de promover estratégias comunicativas que vão influenciar o modo de pensar e o comportamento da sociedade em relação a uma determinada situação que está em risco ou que pode vir a se tornar um desastre.
Qual a sua expectativa para receber o III Compublica na UFS, com uma tema tão alinhado à sua trajetória acadêmica?
A minha expectativa é a melhor possível. Esse ano é um ano emblemático, várias entidades e várias associações estão discutindo mudanças climáticas. A sociedade como um todo está mais informada sobre o que são as mudanças climáticas e se não está informada, está buscando mais informações. É muito importante que o evento venha a Sergipe e que venha pelas mãos de comunicadores públicos, o que demonstra que esses setores estão preocupados com a temática. É importante que nós, enquanto acadêmicos, também estejamos preparados para receber este evento. Com certeza, estarei participando, presente dentro daquilo que é possível, inclusive, apresentando trabalhos. Considero o evento extremamente importante e fico muito feliz que esteja acontecendo na Universidade Federal de Sergipe, para que nós possamos ter um contato direto com essas temáticas e com as pessoas que estão preocupadas com elas, para estimular ainda mais nossos alunos a refletirem sobre a importância do meio ambiente, o impacto das mudanças climáticas, o nosso modo de viver e o nosso habitat. Portanto, espero que a gente tenha um excelente evento aqui em outubro.
REFERÊNCIAS