A instrumentalização política das plataformas de mídias sociais

Por Agnaldo Montesso*

A apropriação política das plataformas de mídias sociais intensifica-se progressivamente, com agentes públicos de todas as esferas – de vereadores ao presidente da República – utilizando estes canais para divulgação de ações governamentais e manifestação de opiniões que favoreçam suas imagens pessoais.

Essas plataformas ocupam espaço crescente no cotidiano, capturam nossa atenção, consomem nosso tempo e monetizam nossa interação através de anúncios. Estudos recentes indicam que o usuário médio da internet dedica 2 horas e 21 minutos diariamente às mídias sociais.

Para continuar a atrair a atenção dos usuários e manter o engajamento, as plataformas implementam constantemente novos recursos para atrair mais usuários. Como anunciou o portal de notícias G1, a Meta, big tech proprietária do Instagram, lançou em outubro de 2021 as publicações Collabs. A funcionalidade permitia à época que um mesmo conteúdo fosse publicado no perfil de mais de uma pessoa. Atualmente, o número de colaboradores foi expandido para quatro.

Atentos a essa funcionalidade, os influenciadores digitais passaram a fazer publicações com empresas que os patrocinavam, aumentando o alcance da mensagem.

A classe política não ficou para trás. Ao verificar a oportunidade de obter mais visibilidade, passaram a utilizar as collabs com os órgãos públicos que administram para mostrar o dia a dia à frente da gestão.

Um caso que repercutiu foi o do prefeito do município de Barra da Estiva. O gestor da cidade de pouco mais de 28 mil habitantes no interior do estado da Bahia fazia publicações no perfil pessoal dele e collabs com o perfil institucional da prefeitura.

O ato foi denunciado e, em agosto de 2023, o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia (TCM-BA), “determinou ao prefeito de Barra da Estiva, João Machado Ribeiro, que se abstenha de associar sua imagem pessoal às ações e propagandas oficiais do município nas publicações realizadas em seu perfil pessoal e no da prefeitura no Instagram. O gestor também deve promover a retirada imediata de suas redes sociais de todas as publicações que associem as ações e programas realizados pelo município à sua imagem pessoal”.

Na oportunidade, o conselheiro do Tribunal de Contas que fez a relatoria do caso destacou que “ficou evidenciada a associação do nome do gestor às ações da prefeitura sem cunho informativo, educacional ou social, constituindo, em cognição sumária, promoção pessoal”.

Passados quase dois anos da decisão do Tribunal de Contas, ações similares vêm se espalhando por todo o país, principalmente entre os novos prefeitos e vereadores de municípios que tomaram posse em 1º de janeiro de 2025.

É flagrante o desvirtuamento de dois princípios da administração pública previstos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988: o da impessoalidade e o da publicidade.

O jurista Emerson Garcia, doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, em artigo publicado na Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, ressalta que uma das acepções do princípio da publicidade afirma que o agente público não é o autor dos atos estatais, sendo que essa autoria deve ser destinada ao órgão ou a entidade pública. Para o autor, “tanto as realizações propriamente ditas como a publicidade dos respectivos atos devem ser atribuídas ao ente legitimado à sua prática, não aos recursos humanos que viabilizaram a sua concretização”.

Dione Tiago, servidora do Ministério Público Federal (MPF), destaca que a impessoalidade deve ser tratada à luz da separação entre os interesses público e privado. Em dissertação de mestrado em Administração Pública apresentada em 2024, a servidora do MPF ressalta que os agentes públicos têm o dever ético de servir e não de se servir do Estado, mas que os resultados encontrados por ela na pesquisa “demonstraram de forma taxativa o uso indevido e de cunho eleitoral de espaços e estruturas que deveriam se destinar à comunicação pública e à prestação de contas”.

Além de infringir o princípio da impessoalidade, é flagrante também a descaracterização do princípio da publicidade. O Artigo 37 determina que a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, proibindo a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Apesar disso, poucos manuais de uso institucional das redes sociais abordam de forma clara a vedação às collabs entre perfis pessoais de autoridades e contas oficiais. O Guia de Boas Práticas para Redes Sociais do Governo Federal, publicado em setembro de 2023, proíbe expressamente esse tipo de colaboração, reiterando que as páginas governamentais devem comunicar políticas públicas e serviços à população, não servir à autopromoção de servidores.

No caso do manual do Governo do Rio Grande do Sul, publicado em abril de 2024, recomenda-se que “as collabs sejam feitas apenas entre contas de instituições públicas. Collabs entre as secretarias e instituições do setor privado devem ser avaliadas caso a caso”.

Cabe destacar aqui um outro princípio constitucional: o da legalidade. Como explicou em 2001 o saudoso professor Caio Tácito, que foi docente emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, “ao contrário da pessoa de direito privado, que, como regra, tem a liberdade de fazer aquilo que a lei não proíbe, o administrador público somente pode fazer aquilo que a lei autoriza expressa ou implicitamente”.

Como as plataformas de mídia social ainda são tecnologias recentes, os atores políticos utilizam ainda da falta dessa regulação em benefício próprio. Com 5.570 municípios no Brasil, a fiscalização por parte de Tribunais de Contas e Ministérios Públicos é limitada e depende, em geral, de denúncias feitas pela população — que, muitas vezes, desconhece os princípios constitucionais que regem a administração pública.

Por mais que os princípios constitucionais já versem sobre o assunto como discutido neste artigo e boas práticas estejam sendo delineadas por alguns entes federativos, o país carece de uma diretriz nacional clara, validada por um órgão de legitimidade abrangente.

A ausência dessa orientação uniforme contribui para a pulverização de interpretações e condutas, tornando a fiscalização mais difícil e permite brechas que favorecem a autopromoção indevida de agentes públicos.

A criação de um marco regulatório nacional específico para o uso institucional de mídias sociais por entes públicos poderia ser um passo importante. Um manual técnico, elaborado por um grupo interinstitucional com representantes do TSE, CGU, tribunais de contas e especialistas em comunicação pública, poderia servir como norte para gestores e equipes de comunicação em todo o país.

A padronização de critérios, aliada à capacitação contínua dos profissionais envolvidos, seria uma ferramenta eficaz para prevenir abusos. Mais do que uma questão legal ou administrativa, trata-se de uma exigência democrática. Caso contrário, o resultado dessa apropriação indevida das estruturas de comunicação pública ocupará o espaço da informação de interesse público, enfraquecendo a transparência e o direito da população a ser corretamente informada.

Em tempos de crescente desinformação e polarização, é fundamental resgatar os valores da impessoalidade e da ética pública como pilares para uma gestão comprometida com o interesse público e com a qualidade da informação oferecida à população.

Texto publicado no site do Observatório da Imprensa em 17/04/2025, disponível em: https://www.observatoriodaimprensa.com.br/comunicacao-publica/a-instrumentalizacao-politica-das-plataformas-de-midias-sociais/

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