O semestre foi caracterizado por um avanço significativo no arcabouço legislativo em torno da comunicação pública.
Vale registrar a proposta da Lei Geral da Comunicação Pública, elaborada pela ABCPública. A Comissão de Legislação Participativa (CLP), da Câmara dos Deputados, aprovou (em 10/05) por unanimidade, a SUG 19/2021, que sugere o Projeto da Lei Geral da Comunicação Pública, com estabelecimento de conceitos, diretrizes e princípios da atividade.
Agora, o texto seguirá para deliberação de comissões temáticas da Câmara e, em seguida, para o Plenário, como PL 1202/2022.
Na CLP, o texto teve aprovação unânime, passando a tramitar como projeto da própria comissão, portanto, em regime de prioridade. Atualmente se encontra na Comissão de Comunicação, sob relatoria da Dep. Luiza Erundina (PSOL-SP), que já demonstrou pressa em sua aprovação.
A proposta traz princípios que buscam afastar o risco de patrimonialismo na gestão da comunicação pública, prevendo também vedações e mecanismos para efetivação da participação social, como um conselho com representação paritária da sociedade, que deve aprovar e zelar pela aplicação de uma política de comunicação transparente e focada na cidadania.
Acesso
Outro projeto considerado fundamental para garantir plena fruição do direito à comunicação e informação é o PL 619/2020, que busca assegurar gratuidade de acesso aos conteúdos digitais originários de órgãos públicos ou assemelhados. A maioria da população brasileira ainda se vê muito limitada na sua conexão com a Internet, fazendo-a majoritariamente apenas por celulares, em planos pré-pagos. Garantir que a navegação ou download de dados públicos não seja descontada dos planos de Internet (o chamado zero rating) é fundamental para democratizar o acesso à informação, aos serviços públicos e a efetividade da necessária transparência pública.
O texto – que a ABCPública ajudou a elaborar – resultou de iniciativa conjunta e suprapartidária dos 5 deputados que compunham o hoje inativo conselho consultivo de comunicação da Câmara dos Deputados, e infelizmente encontra-se parado na comissão temática dedicada à comunicação.
Linguagem simples
Em outra frente, a ABCPública ajudou a fazer avançar o projeto da Política Nacional da Linguagem Simples (PL 6256/2019). A matéria foi aprovada na Comissão de Serviço Público após negociações com o relator da matéria, deputado Vicentinho (PT-SP) e com a bancada do partido Novo, que obstruía sua tramitação. Um substitutivo construído em parceria com a Rede Nacional de Linguagem Simples foi aprovado e seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça, onde aguarda designação de relator, etapa para a qual nos mantemos em articulação. Aprovado na CCJ o PL poderá seguir diretamente ao Senado.
Patrimônio público digital
Outra vitória que contou com a participação da ABCPública foi a aprovação, ainda em 2021, do projeto da Lei do Patrimônio Público Digital Institucional (PL 2431/2015). O texto já aprovado em duas comissões temáticas – Comunicação e Cultura – teve também a decisiva colaboração do Observatório da Comunicação Pública. Encontra-se na Comissão de Finanças com parecer pela aprovação, aguardando deliberação e posterior encaminhamento à CCJ.
Direito autoral
Outro texto que envolveu colaboração direta da ABCPública é o projeto do direito autoral para o jornalismo nas redes, regulamentando dispositivo previsto no Marco Civil da Internet. Iniciativa do Movimento Conteúdo Jornalístico tem Valor, o texto surgiu como sugestão de substitutivo ao PL 4225/19 que tramita no Senado e previa mudanças na já datada Lei de Direitos Autorais. Mas a sugestão ganhou projeto próprio na Câmara Federal (PL 2950/2021) pelas mãos do deputado e jornalista Rui Falcão (PT-SP). Encontra-se na comissão temática dedicada à comunicação.
Além desses projetos em que a ABCPública participou ativamente da construção dos textos – originais ou substitutivos -, houve intenso envolvimento no monitoramento e negociação de outras matérias, com destaque para o PL 2630/20, alcunhado PL das fake news.
Somamo-nos aos esforços do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação e da Coalizão pelos Direitos da Rede para tentar evitar que o projeto citado incorporasse sugestão de jornais, emissoras de Rádio e TV e agências de publicidade prevendo um mecanismo de remuneração do conteúdo jornalístico pelas megacorporações de mídias sociais, as chamadas de Big Techs. Isso porque o último texto conhecido sobre o tema é muito vago e, por isso, perigoso, inspirado em controverso mecanismo instituído por lei na Austrália. O impasse entre os grandes atores tem travado o avanço da matéria e represado também alternativas para os problemas do financiamento da imprensa profissional e dos riscos dos monopólios digitais.
Relações do Executivo Federal com a Imprensa
Por último, como já apontado nas edições anteriores desta Carta de Conjuntura, as relações institucionais do Executivo Federal com a imprensa permanecem dentro de um padrão autoritário e hostil. Não há reconhecimento do papel social dos jornalistas que é o exercício da crítica e da fiscalização em torno do dever do Estado de prestar contas aos cidadãos – uma característica de democracias robustas.
Ao contrário, o padrão de desrespeito espraia-se nas 5.813 declarações falsas ou distorcidas do presidente Bolsonaro, desde sua investidura no cargo, de acordo com levantamento da agência Aos Fatos (até 25 de julho/2022).
As sucessivas vezes nas quais as assessorias do Planalto, de Ministérios e de órgãos federais se negaram a dar retorno aos jornalistas em busca de informações, demonstram um expediente recorrente que é o menosprezo ou a “demonização” da mídia.
No ambiente tóxico das redes sociais, verifica-se um padrão agressivo que busca intimidar e perseguir jornalistas. Audiência pública na Comissão de Direitos
Humanos do Senado (Agência Senado, 15/06) mostrou o mapeamento aos ataques contra jornalistas e veículos de imprensa – apontando o enorme volume e a sordidez do método. Em um período curto de três meses (em 2021), foram identificadas mais de meio milhão de postagens e #hashtags de hostilidade a jornalistas e comunicadores que fizeram cobertura jornalística que desagradaram a família do presidente da República, autoridades do governo e apoiadores. O levantamento foi realizado pelos Repórteres sem Fronteiras em parceria com o Instituto de Tecnologia e Sociedade.
Outra prática comum tem sido a discriminação de veículos e de jornalistas, postura antirrepublicana e autoritária, demarcando uma política incompatível com os princípios da comunicação pública.
A nota, triste e trágica, é que o padrão de intimidação adotado contra alguns setores sociais constitui o pano de fundo do bárbaro assassinato do jornalista Dom Philips e do ex-servidor público Bruno Pereira, na Amazônia. Diante deste crime, do qual não se deve calar, cabe reafirmar a luta para que a prerrogativa de imprensa e jornalistas livres não fique confinada apenas nas letras dos dispositivos constitucionais, mas tenha, de fato, validade e vigor na realidade, protegendo vidas humanas e garantindo o direito de saber, da sociedade.
Brasília, 1º de agosto de 2022.
Leia as cartas anteriores:
Dezembro de 2021
Julho de 2021
Dezembro de 2020
Dezembro de 2019