Considerações sobre a publicação de uma foto minha no jornal

*Michelle Daher Vieira

Nossa sociedade, ao longo das últimas décadas, vem passando por uma transformação no modo e intensidade de se
comunicar, isto ocorre em conjunto com uma revolução tecnológica e, mesmo já estando integrados a estas novas formas de se expressar, como se jamais pudéssemos ter vivido de outro jeito, ainda estamos descobrindo como melhor utilizar tanta novidade e avaliando qual o impacto que isto tem sobre nossas vidas. Junto com tudo isso, nossa percepção a respeito da realidade que nos cerca é diretamente influenciada pela quantidade e qualidade de informação que nos chega e pelos veículos de difusão que temos acesso.

A internet não só ganhou espaço em nossas vidas como se tornou onipresente na medida em que a temos na palma da mão em nossos aparelhos smartphones e vem ocupando o lugar de provedor de conteúdo antes ocupado apenas pelos veículos tradicionais, como televisão e jornal, que têm tentado se adequar e sobreviver aos novos tempos. Contudo, a chamada grande mídia, como são conhecidas as empresas de comunicação, ainda exercem muita influência como fonte de informação. Mesmo recebendo uma intensa quantidade de dados que nos chega de modo pulverizado – pela internet, panfletos, livros, debates, mídia alternativa, etc – a comunicação massiva ainda é realizada por fontes concentradas nas mãos de poucos que decidem o que é ou não notícia e com que enfoque ela será transmitida. Destacar esta questão é de extrema importância, pois é muito difícil determinar até que ponto nossa percepção da realidade não é afetada e determinada pelo modo como as informações a respeito dos acontecimentos são elaboradas, construídas e apresentadas pelos detentores do monopólio dos meios de comunicação.

Por outro lado, qualquer um de nós pode ser fonte de informação ou notícia e ter alcance mundial, basta publicarmos na internet. As redes sociais proporcionam uma conexão entre as pessoas permitindo que qualquer dado possa se espelhar rapidamente, antes isto era restrito aos grandes grupos econômicos, mas, agora, é possível qualquer indivíduo fazer circular conteúdo e até formar opinião. É aqui que eu entro nesta história.

Num dia desses, durante o expediente de trabalho, posei para uma foto de uma campanha cuja mensagem era comunicar o orgulho em trabalhar na Petrobras, a qual os idealizadores tinham a intenção de tornar viral nas redes sociais, porém esta foto foi utilizada pelo jornal O Globo numa matéria que tinha o objetivo inverso, transparecer que havia um mal estar entre os funcionários, ainda estávamos no início dos escândalos da Lava Jato. É claro que não está tudo maravilhoso dentro da empresa, acredito que os funcionários tem um senso de responsabilidade muito grande com a companhia e trabalham sempre buscando o melhor resultado, sabem que não estamos no nosso melhor momento, mas continuamos trabalhando como sempre trabalhamos. Portanto, o fato de uma foto minha ilustrar mais uma matéria para denegrir a Petrobras me chateou bastante e resolvi utilizar uma rede social para contar a minha versão.

Meu caso é um exemplo de um fenômeno que pode acontecer devido às conexões entre as pessoas via redes sociais. Nunca fui popular, nem no mundo real nem virtual, ninguém se importava com nada que eu publicasse, talvez por isso não tive tanto pudor e preocupação com o que escrevi, simplesmente disse tudo que me veio à cabeça, tudo que sentia a respeito da publicação da minha foto no jornal. Não que desconhecesse que isso poderia ocorrer, mas, sinceramente, não acreditava que muita gente fosse ler e tendo ocorrido não sei se seria capaz de repetir o feito. Então, fiz meu desabafo e ele viralizou na rede, além de ter sido publicado na grande maioria dos blogs de notícias que hoje são minha maior fonte de informação. Não pedi a ninguém que compartilhasse, não fiz nenhuma outra forma de divulgação ou publicidade somente postei e o que ocorreu depois foi absolutamente espontâneo.

A única preocupação que tive era não constranger e ofender aos colegas de trabalho, porque havia mais pessoas na foto, não queria que parecesse ser porta voz dos empregados da Petrobras e nem da própria empresa, principalmente por não ser esta atribuição minha. Contudo, como não controlo o pensamento das pessoas, isso aconteceu, tive todo tipo de retorno, desde xingamentos, a acusações de não trabalhar na Petrobras, de ter sido paga ou coagida a escrever, ou não ser eu a autora, como também tive muito retorno positivo. Não há como agradar a todos e ter unanimidade, ainda bem que existe a diversidade de opinião, mas muita gente se sentiu representada, recebi muitos e-mails e telefonemas de colegas de trabalho, muitos deles agradecendo e afirmando que falei em nome deles.

O fato das pessoas terem interagido, positiva ou negativamente, reforça o quanto já estão íntimas deste estilo de vida que ainda é tão recente, ou seja, emitem a opinião sobre o que pensam a respeito de qualquer assunto através de suas conexões nas redes sociais e, também dialogam, não comigo a emissora da mensagem, mas com o tema em si que é de interesse público e eu só o personifiquei naquele momento. Acredito que isto vem demonstrar que o movimento de adquirir e produzir conteúdo está sendo apropriado pelo público de um modo geral, contudo ainda é disperso porque a grande mídia, que são os grandes detentores dos meios de comunicação e os donos do capital, ainda detém o monopólio da mensagem. Isto ficou claro quando o jornal O Globo tentou se apropriar da mensagem que a foto queria comunicar, para transmitir outra que era de seu interesse.

Sendo assim, o que esse exemplo demonstra é que se torna cada vez mais patente a necessidade de ampliar a pluralidade de vozes, estamos carentes de conteúdo de interesse coletivo e não dos advindos dos proprietários dos veículos de comunicação. As pessoas precisam de multiplicidades de fontes de informação e variedades de opiniões para poder formar as suas próprias, principalmente entender que há uma ditadura ideológica instrumentalizada pretendendo ser aceita como verdade absoluta e imputando um único modo de pensar como legítimo, mas que beneficia apenas uma minoria. Por falta dessa maior diversidade de conteúdo com amplo alcance, existe uma massa de indivíduos que aceitam ideias prontas sem maiores questionamentos por nem sequer saber que existe a possibilidade de questiona-las, estão prisioneiros de um modo de pensar e não conseguem enxergar por outras perspectivas, como se só existisse uma única via de pensamento, apenas as reproduzem e acreditam que tais opiniões são autenticamente suas. A internet e as redes sociais, de certo modo, estão mudando este panorama, mas ainda é insipiente perto do poder reunido por certos grupos de comunicação.

A Petrobras é um caso emblemático, existe uma infinidade de interesses envolvidos (são econômicos, geopolíticos, partidário, governamental, etc, que não vem ao caso discuti-los aqui), só para ter uma dimensão basta lembrarmos que os EUA reativaram a sua Quarta Frota quando a empresa anunciou a descoberta do Pré-Sal. Sendo assim, praticamente tudo que se fala a respeito da Petrobras serve a algum propósito e quem tem o monopólio dos meios de comunicação fará com que a informação que lhe convém se sobressaia em relação às informações pertinentes aos outros interesses. Portanto, terá a mais ampla divulgação justamente o que convém a determinado grupo e não, necessariamente, o que é para benefício da sociedade como um todo.

Não há dúvidas a respeito do interesse sobre a companhia, haja vista o bombardeio diário que vem sofrendo ao longo dos últimos meses e as sucessivas denúncias de vazamento seletivo de informações, por diversos órgãos e pela mídia alternativa, de modo a construir um senso comum negativo a respeito da Petrobras, visando, em parte, destruir o sentimento nacionalista que sempre a vinculou ao povo. Também não é segredo para ninguém o antigo desejo de parcela de nossa sociedade e de algumas transnacionais de que a petroleira seja privatizada em prejuízo à população brasileira como um todo. Utilizam-se da nobre justificativa de combater a corrupção para esconder as verdadeiras intensões, muitas vezes, as ações adotadas passam longe da solução deste problema e podem tornar as coisas ainda piores. Temos assistido diariamente uma espetacularização das investigações da Lava Jato que acima de qualquer coisa tem minando a imagem da companhia.

A Petrobras também tem a sua comunicação e a utiliza para fazer promoção e defender seus interesses, mas tem pouca penetração na sociedade para difundir as informações pertinentes e mostrar às pessoas o seu ponto de vista, a sua versão dos fatos. É preciso entender que o negócio da Petrobras é petróleo, refino e comercialização de derivados, é nisto que investe e desenvolve sua expertise, na “guerra” da comunicação está em imensa desvantagem em comparação a quem é especialista e uma das maiores empresas deste ramo no mundo. Em seu blog “Fatos e Dados” grande parte das postagens é composta por respostas às reportagens da grande mídia, porém dificilmente vemos estas respostas veiculadas e quando o são é feito como “nota de rodapé”, com trechos selecionados de modo a prevalecer o ponto de vista da empresa de mídia, mas com uma aparência de isenção.

Dito tudo isto, devo destacar a necessidade de aprofundar a reflexão sobre estes temas. No caso da Petrobras talvez fosse mais producente repensar e investir numa comunicação mais eficaz, pois esta se bem feita pode trazer retorno na medida em que valoriza a sua imagem e consequentemente a marca da companhia; uma estratégia bem comunicada favorece o relacionamento com outras instituições, inclusive as financeiras; um diálogo bem feito com o mercado proporciona credibilidade e pode elevar o valor de suas ações e; também pode recuperar a empatia das pessoas caso seja necessário defende-la. Nós, como parte integrante da sociedade, devemos refletir a respeito da comunicação que queremos, que melhor atenda nossas necessidades de conteúdo para que seja mais democrática, valorizando a pluralidade de vozes e ao governo cabe promover esta diversificação. Por fim, o que tentei fazer quando publiquei a crítica ao jornal é o que penso sobre como devemos agir enquanto indivíduos: ponderar a respeito das informações que nos chegam, se existem interesses privados dos comunicadores que a transmitem, buscar fontes confiáveis, entender o contexto em que elas se inserem, buscar referências históricas, ouvir o que os especialistas nos assuntos tem a nos dizer e principalmente ter sempre em mente que não existem verdades absolutas.

(*) Michelle Daher Vieira é formada em engenharia metalúrgica na UFRJ e ciências sociais pela UFF, trabalha como Analista de Comercialização e Logística na Petrobras há 9 anos, tendo ingressado em 2006.
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