A ideia deste documento é uma visão breve, do presente, e um olhar sobre tendências e perspectivas da Comunicação Pública para amanhã. O olhar sobre o futuro, nesta edição, coube a Érica Abe, coordenadora do Comitê Temático de Comunicação Digital.
As lições de 2024
O ambiente da comunicação em geral, e da Comunicação Pública, em particular, segue marcado como uma arena de conflitos, alguns intencionalmente provocados para alimentar a lógica dos algoritmos, e amplos níveis de desinformação (motivada por viés ideológico) e “pós-verdade”.
O exercício da cidadania, no campo da comunicação contemporânea, requer estratégias para lidar e superar o negacionismo científico, polarização exacerbada e consolidação de bolhas impermeáveis, discursos de ódio e conteúdos de baixa qualidade.
A aceleração das mudanças sociais e tecnológicas (impactos da inteligência artificial, por exemplo), associada à erosão dos valores e da cultura democrática – essenciais para o fortalecimento da Comunicação Pública – colocam em xeque o conhecimento, os consensos, a credibilidade e a confiança das instituições.
A Comunicação Pública, com sua herança maldita de foco no emissor (protagonismo da autoridade) e não atrelada diretamente às necessidades da população, continua sendo um desafio cotidiano e estratégico da rede de comunicadores – seja no Executivo, Legislativo ou no Judiciário.
No ambiente de 2024, apontamos cinco pontos de atenção:
- Adversidades da comunicação em tempos eleitorais: Os pleitos municipais exigiram ações da ABCPública a respeito do abuso do Poder Público quando aplica a legislação pré-eleitoral, de forma excessivamente rígida, impondo a remoção de páginas úteis de informações sobre serviços e políticas públicas, indispensáveis para a população. Cabe destacar o esforço dos tribunais eleitorais para combater a desinformação, dentro do ajuste fino de garantir ampla liberdade de opinião e, simultaneamente, impedir ou conter fake news que geram assimetria na disputa eleitoral.
- Mídias sociais sem regulamentação: Acirramento dos conflitos entre a plataforma X e o Supremo Tribunal Federal, evidenciando os abusos das corporações líderes nas redes sociais e a emergência de se implementar no Brasil um marco legal suficiente e satisfatório.
- Intimidações que ameaçam o direito social à informação: No front da imprensa, a continuidade dos casos de abuso de poder (Intercept pressionado, agora em dezembro, pela Polícia Civil de Santa Catarina (SC) para quebrar sigilo das fontes da reportagem “Julgamento de influencer Mariana Ferrer termina com tese inédita de ‘estupro culposo’ e advogado humilhando jovem” e de perseguições a jornalistas (sobretudo em estados fora do eixo Rio-SP) abalam as cláusulas pétreas pertinentes ao exercício profissional do jornalista, sobretudo nas pautas de interesse da sociedade. Ainda não foram divulgados os dados da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) sobre violência estrutural contra jornalistas em 2024, mas permanecem tentativas de censura e perseguições a jornalistas que investigam corrupção, crime organizado e crimes ambientais.
- Assédio Judicial para intimidar o trabalho jornalístico: Agentes públicos que operam o sistema de Justiça, têm recorrido a ações indenizatórias com custos elevados e que intimidam a prática do jornalismo investigativo e independente. Cabe registar o lançamento do “Monitor de Assédio Judicial contra Jornalistas no Brasil”, iniciativa da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). De acordo com a entidade, “o monitor sistematiza ações judiciais movidas contra jornalistas que visam intimidar, fragilizar e silenciar o trabalho jornalístico. A pesquisa revelou a existência de 654 processos que tramitam em varas de todo o país, focalizando 84 casos de assédio judicial”.
- Emergências climáticas: Com as queimadas, focos de incêndio próximos a cidades, variações extremas de temperatura, frequentes inundações e deslizamentos, entre outras ocorrências, a população, sobretudo a mais vulnerável, vivencia o impacto devastador das mudanças climáticas, em função do desenvolvimento econômico desenfreado. A defesa civil nacional lançou, em dezembro, um novo sistema de alerta nos celulares inaugurando uma agenda onde a comunicação e a inovação na administração pública serão parceiras fundamentais na gestão de riscos e na cultura de prevenir e salvar vidas.
- Gastos com publicidade: fiscalização em órgãos públicos será mais rigorosa
A Nota Recomendatória (NR) nº 02/2024, diretriz publicada pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), orienta a revisão e atualização das normas internas dos órgãos públicos, assegurando que elas estejam alinhadas às novas orientações estabelecidas.
Entre as inovações mais relevantes estão a fiscalização de indicadores e metas para mensuração de resultados das campanhas e a verificação da conformidade entre metas planejadas e resultados alcançados. Essas mudanças reforçam a necessidade de uma gestão mais estratégica e orientada para a eficiência e a transparência na comunicação pública.
Para a ABCPública, a iniciativa da Atricon representa um passo relevante para atrelar indicadores sociais e políticas públicas às campanhas publicitárias que teriam, assim, direcionamento prioritário para ações educativas e de utilidade pública, com impacto direto na vida dos cidadãos. Essa abordagem reforça o caráter social da comunicação pública, promovendo maior transparência e responsabilidade na gestão dos recursos públicos.
Tendências em Comunicação Pública Digital: Avanços e Limites
Os governos federal, estaduais e municipais têm ampliado o uso de plataformas digitais como redes sociais, aplicativos e portais oficiais, buscando maior capilaridade e interação com os cidadãos. Exemplos como o aplicativo Conecte SUS e o portal Gov.br demonstram o potencial de digitalização para simplificar o acesso à informações e serviços públicos. No âmbito do Judiciário, destaca-se o recente lançamento do portal Jus.br, com propósito similar.
Contudo, a comunicação pública digital ainda padece de algumas limitações:
a) A ausência de uma estratégia integrada e coordenada entre os diferentes níveis de governo resulta em mensagens fragmentadas e, muitas vezes, contraditórias.
b) Embora o Brasil seja um dos países mais conectados do mundo, com mais de 90% da população acessando a internet, o uso de ferramentas digitais pelo Estado ainda não é plenamente inclusivo. Um estudo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) revelou que cerca de 27% das pessoas em áreas rurais ou em comunidades periféricas enfrentam barreiras de acesso, seja por falta de infraestrutura ou por baixa alfabetização digital.
c) As campanhas governamentais muitas vezes reproduzem formatos tradicionais, sem explorar plenamente os recursos interativos das plataformas ou dialogar com a diversidade cultural e etária dos brasileiros. A comunicação pública digital precisa evoluir para ser mais participativa, apostando em formatos que estimulem o diálogo, como transmissões ao vivo, enquetes e conteúdos audiovisuais.
Perspectivas para 2025
Olhando para o próximo ano, algumas tendências ganham destaque, oferecendo caminhos para enfrentar os desafios atuais:
- Regulação das plataformas digitais: Diante do impasse no Congresso Nacional entorno do assunto, as atenções se voltam para o julgamento no Supremo Tribunal Federal, que já sinaliza para a inconstitucionalidade do dispositivo do Marco Civil da Internet que dá um salvo conduto para plataformas não atuarem de maneira mais eficaz contra desinformação, discurso de ódio e cometimento de crimes (MCI, Art.19 §2º). Ainda não se sabe que regras o STF deve definir para as plataformas até que o legislativo se pronuncie, mas há sinais de uma intervenção profunda. Enquanto isso, no parlamento, o debate tardio sobre regulação do Vídeo por Demanda (streaming) abre possibilidade para maior presença de conteúdo nacional e público nos catálogos dessas empresas. Já a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (conhecida como “Lei das Fake News”) está distante de aprovação. Assim, o foco será a decisão do STF sobre o Marco Civil da Internet (obs. no momento de fechamento desta edição, o julgamento do STF estava em andamento).
- Inteligência e jornalismo: Ferramentas baseadas em IA, como a automação de notícias e a personalização de conteúdos, devem se consolidar como aliadas na produção e distribuição de informação. No entanto, será crucial o estabelecimento de limites éticos claros para evitar o uso de IA em práticas manipulativas ou enganosas. Esse é um dos objetivos do projeto de lei aprovado pelo Senado neste final de 2024. O PL 2338/23 superou a enorme resistência das gigantes do setor e na Câmara deve enfrentar pressão contrária semelhante, mesmo esvaziado de pontos importantes, como abrangência sobre algoritmos de redes sociais.
- Fortalecimento do jornalismo local: O declínio das grandes redações abre espaço para o fortalecimento de veículos regionais e hiper locais, que podem atender demandas específicas das comunidades com maior proximidade e relevância. Iniciativas colaborativas têm potencial para redefinir o papel do jornalismo comunitário no Brasil. Cabe ficar alerta para que tal movimento não consolide o cenário midiático marcado tradicionalmente pela alta concentração privada ou controle de “coronéis eletrônicos”. Uma possibilidade que se abre para o ressurgimento do jornalismo local emerge com a TV 3.0, cujas definições técnicas estão sendo tomadas pelo governo federal neste final de 2024, em diálogo com o setor. A capacidade de transmissão simultânea regionalizada e segmentada pode ser uma fonte extra de receitas de para emissoras, fragilizadas financeiramente em razão da competição com as plataformas digitais. Além de ser uma potencial janela de exibição para produtores locais, a gratuidade da TV ainda a mantém como principal opção de consumo de notícias para 70% da população brasileira que não tem conectividade plena com a Internet.
- Educação midiática como prioridade: É necessário trabalhar para uma ampliação de políticas públicas voltadas para a alfabetização midiática, especialmente em escolas públicas. Capacitar cidadãos para consumir e avaliar criticamente as informações é fundamental para combater a desinformação e fortalecer a democracia.
- Comunicação Pública como eixo estratégico: Em 2025, espera-se um avanço na regulamentação do uso de plataformas digitais para a Comunicação Pública, alinhado à recém-aprovada Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Além disso, investimentos em capacitação de servidores públicos para o uso estratégico das redes sociais e ferramentas de análise de dados poderão tornar a comunicação pública mais assertiva e responsiva às necessidades da população. A Comunicação Pública digital tem o potencial de se tornar um pilar essencial da transparência e da governança democrática, mas seu pleno desenvolvimento dependerá da superação de desigualdades estruturais e do fortalecimento de políticas públicas inclusivas e inovadoras.
Fique de olho
O dever de casa para a comunicação pública persiste na valorização contínua do trabalho do jornalismo e de conteúdos – sejam com denúncias ou cobertura factual – que estimulam a cultura de um Estado democrático, transparente e que tem obrigação legal de prestar contas à população – e no caso das emergências climáticas, proteger e assegurar o direito à vida em segurança.
Já a temática eleitoral, para os próximos pleitos, entre os desafios já citados, cabe a comunicação pública lidar, a partir de diagnósticos claros, com o índice de quase 30% de eleitores ausentes nas votações e o descumprimento da cota de gênero (segundo o Observatório Nacional da Mulher na Política em mais de 700 municípios brasileiros não houve participação mínima nas eleições municipais).
Embora os desafios sejam significativos, as transformações em curso abrem espaço para inovações que podem fortalecer a relação entre meios de comunicação, sociedade e Estado.
O ano de 2025 será decisivo para consolidar práticas mais éticas, transparentes e sustentáveis, capazes de restaurar a confiança pública e garantir o acesso universal à informação de qualidade.
Associação Brasileira de Comunicação Pública
Brasília, 17 de dezembro/2024.
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Confira as cartas anteriores:
Agosto de 2023
Fevereiro de 2023
Agosto de 2022
Dezembro de 2021
Julho de 2021
Dezembro de 2020
Dezembro de 2019