Facebook diminuirá novamente espaço para notícias. Qual o contexto da mudança?

Para pesquisador do Instituto de Tecnologia e Sociedade, empresa pode estar buscando evitar lidar com questões problemáticas

Mark Zuckerberg,  presidente e principal acionista do Facebook, tem o costume de publicar em janeiro uma série de metas para o ano que começa. No início de 2018, ele afirmou em seu perfil que um de seus objetivos é garantir que “o tempo gasto no Facebook seja tempo bem gasto”.

Em um novo post, publicado na sexta-feira (12), Zuckerberg declarou  que a rede social passará por uma “grande mudança”, e que o foco principal deixará de ser “ajudar você [o usuário] a encontrar conteúdo relevante”, e passará a ser “ajudar você a realizar interações sociais mais significativas”.

Ele afirma que o Facebook já começara a realizar mudanças nesse sentido em 2017 e que os primeiros sinais serão observados no feed de notícias. “Você pode esperar ver mais de seus amigos, família e grupos.” Com o tempo, haverá menos exposição a posts de negócios, marcas e empresas de mídia.

Em seu post, Zuckerberg afirma, ainda, que pesquisas acadêmicas independentes, assim como outras feitas pela própria empresa, teriam mostrado que consumir passivamente conteúdo, lendo artigos ou assistindo a vídeos, “pode não ser tão bom” para o bem-estar.

E que quando as redes sociais são usadas “para se conectar com pessoas com as quais nos importamos”, elas podem ser benéficas para o bem-estar. Ele não cita, no entanto, nenhuma pesquisa específica ou indica onde elas podem ser lidas.

Zuckerberg prevê que o tempo médio gasto pelos usuários na rede social irá cair. Essa é uma métrica considerada pelos investidores da empresa, assim como anunciantes que decidem usar a plataforma.

Ainda não está claro de que forma a rede será alterada. Mas uma reportagem do jornal britânico Financial Times que consultou pessoas “inteiradas sobre os planos” da empresa afirma que conteúdo caça-cliques e sites noticiosos considerados de baixa qualidade perderão espaço.

O anúncio de mudanças ocorre em um contexto no qual o poder do Facebook tem rendido uma série de críticas no que diz respeito ao tipo de conteúdo difundido e a forma como a plataforma teria influenciado processos políticos importantes. Em especial, a eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos e o referendo na Grã Bretanha, que culminou com a decisão pela saída do país da União Europeia.

Ao se tornar menos relevante para o compartilhamento de informações noticiosas o Facebook poderá deixar de ser o espaço privilegiado desse tipo de debate político. Isso é, no entanto, um problema para empresas de mídia que produzem conteúdo, à medida que a rede social se tornou um dos principais canais de disseminação e compartilhamento de notícias no mundo.

Segundo uma pesquisa do Pew Research Center, cerca de 67% dos americanos adultos usam redes sociais para obter informações. Uma pesquisa do Instituto Reuters afirma que 72% dos brasileiros usam redes sociais para consumir notícias.

A companhia vem afirmando que conteúdo noticioso compartilhado por indivíduos não perderá relevância no feed de notícias. O conteúdo compartilhado pelo perfil de instituições, no entanto, deve ser prejudicado.

As críticas ao Facebook

BOLHAS

A empresa é frequentemente acusada de facilitar a criação de “bolhas”, em que as pessoas são isoladas de opiniões desagradáveis por serem diferentes das suas ao mesmo tempo em que têm mais acesso a conteúdo “com a sua cara”. Segundo críticos, isso pode contribuir para que enrijeçam e radicalizem seus pontos de vista.

CRITÉRIOS NEBULOSOS

O Facebook também é criticado pela falta de transparência em relação  aos critérios usados para censurar conteúdo, seja ele postado por instituições, como sites de notícias e entretenimento, seja ele postado por indivíduos.

NOTÍCIAS FALSAS

A empresa também é um dos principais canais de divulgação de notícias falsas do mundo. Diversos veículos de mídia afirmam que a proliferação de boatos e links com títulos chamativos e informações sem base na realidade, como a de que o papa Francisco apoiava Trump, ou de que Hillary Clinton estava envolvida com uma rede de aliciamento de crianças, contribuíram para a ascensão do empresário e apresentador de reality show no cenário político e sua eleição.

MANIPULAÇÃO POLÍTICA

Em outubro de 2017, a empresa admitiu que o governo russo pagara milhares de dólares para promover “conteúdo divisivo” durante as eleições americanas. Quando se somam aqueles alcançados pelo Facebook e pelo Instagram, que é de propriedade da empresa, foram atingidas 146 milhões de pessoas. Entre o material divulgado por esse tipo de post estavam, por exemplo, imagens que comparavam Hillary Clinton ao demônio e a retratavam como inimiga de Jesus Cristo. A empresa, ao lado de Google e Twitter, foi convocada pelo Congresso americano em novembro de 2017 a responder  questões sobre a influência russa nas eleições americanas.

Essa não é, contudo, a primeira vez que o Facebook faz uma mudança para privilegiar conteúdo pessoal. Em junho de 2016, antes da eleição de Trump e da série mais contundente de críticas, a empresa já havia afirmado que “amigos e família vêm primeiro”, e que conteúdo noticioso perderia espaço.

Meses antes, o Facebook havia mostrado preocupação, em uma apresentação interna vazada pela imprensa, com o fato de que as pessoas vinham compartilhando menos conteúdo pessoal e mais conteúdo viral, como memes, ou aquele produzido por sites de notícia e entretenimento.

Isso é um problema para o Facebook porque conteúdos mais pessoais como fotos de bebês ou textões sobre mudança de carreira, e não notícias, são aqueles que geram mais engajamento na forma de curtidas, corações e comentários.

Essas interações fornecem o tipo de informação que o Facebook usa para conhecer melhor os usuários e direcionar propaganda a eles, a sua principal fonte de receita.

Além de uma resposta às críticas sobre as notícias falsas e a propaganda política compartilhada na rede, as mudanças anunciadas no início de 2018 podem ser também uma nova tentativa de priorizar o tipo de compartilhamento que mais interessa economicamente à empresa.

O Nexo conversou sobre as alterações com Carlos Affonso de Souza, professor da Faculdade de Direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro. Ele avalia que o Facebook tem um papel a desempenhar no debate público, e que evitá-lo seria negativo. Isso é de especial interesse do Brasil, que está em ano de eleição presidencial.

Como você avalia as mudanças?

CARLOS AFFONSO DE SOUZA:

Isso tem que ser tratado com menos surpresa, porque aconteceu outras vezes. Em 2016, o Facebook fez um anúncio de que priorizaria conteúdos pessoais em detrimento de externos.

Um ponto que aparece muito na fala do Zuckerberg é a noção de que o tempo no Facebook tem que ser aproveitado com interações positivas entre as pessoas.

Temos que ligar essa mudança com o fato de que os provedores e as redes sociais em especial entraram na mira após a eleição nos Estados Unidos, Brexit e o problema das “fake news”.

A mudança pode ser uma tentativa de enfatizar um aspecto positivo do uso das redes sociais em detrimento dessas situações mais complexas e desafiadoras.

O debate das fake news detonou uma bomba relógio regulatória ao redor do mundo. Países buscam a aprovação de leis de combate que têm as redes sociais como alvo. Esse movimento é uma tentativa de expor menos as pessoas a conteúdos externos.

Embora seja feita com uma boa intenção de valorizar o tempo na rede social, essa medida não elimina o perigo de a pessoa ficar ensimesmada em meio às bolhas de filtragem [de conteúdo].

Pelo contrário, à medida que o algoritmo entende e privilegia o tipo de conteúdo com o qual o usuário interage, ele estimula uma repetição que é ruim para a formação da cidadania.

[Também] acho que o Facebook continua no mesmo caminho de 2016. O objetivo de privilegiar conteúdos com o qual o usuário interage mais é conhecê-lo melhor e ter uma visão mais detalhada sobre seus hábitos, interesses e gostos. Esse é o mote da rede social.

Quais podem ser as consequências?

CARLOS AFFONSO DE SOUZA:

Fica a dúvida sobre qual será a relevância de conteúdo jornalístico, se ela será menor do que a de uma foto postada por um amigo.

Uma pesquisa da Pew Research mostra o quanto a população americana e mundial se informa prioritariamente pelas redes sociais, como o Facebook.

A empresa tem um papel importante, e fica a questão se ela se tornará menos um local para discussão dos assuntos que interessam à comunidade em que as pessoas vivem.

A mudança vem em ano eleitoral no Brasil e todos os usuários perdem se ela representa um retrocesso na plataforma como um local para debate e exposição de natureza pública e política. Essa plataforma tem um papel importante a desempenhar na consciência do eleitorado e dos cidadãos como um todo.

Fonte: NEXO Jornal.
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