Carta de Conjuntura nº 7 destaca o panorama da Comunicação Pública no primeiro semestre do ano

Carta de Conjuntura nº 7 – ABCPública

15 agosto de 2023 – 1º semestre 2023

O presente documento tem por objetivo apresentar uma síntese de fatos e acontecimentos marcantes na seara da comunicação pública, em âmbito nacional, no primeiro semestre de 2023 bem como demarcar o espaço de atuação da Associação Brasileira de Comunicação Pública – ABCPública, e seu posicionamento frente às questões que afetam o debate do tema em todo Brasil.

Avanços

A criação do Conselho Nacional de Secretarias de Comunicação, durante o 1º Fórum Nacional dos Secretários Estaduais de Comunicação Social, realizado em 15 de junho, em Salvador (BA), foi destaque positivo no cenário da comunicação pública do primeiro semestre. A pauta de atuação do Conselho envolve os desafios da comunicação pública nas diferentes regiões do país, como o combate à desinformação e às fake news, investimentos adequados e a importância do diálogo com os órgãos de controle, para aprimoramento da gestão pública. Trata-se de uma grande oportunidade de diálogo, de troca de informações e de intercâmbio de boas práticas, visando à qualificação dos processos de comunicação em cada Estado, particularmente aquelas voltadas para a valorização da comunicação como ferramenta para o exercício da cidadania. 

Outro avanço significativo: o Conselho Nacional de Saúde (CNS), por meio da Resolução 715, de 20 de julho de 2023, apontou a necessidade de inclusão de uma Política de Comunicação Social do Sistema Único de Saúde (SUS) no Plano Nacional de Saúde. Vários associados da ABCPública contribuíram para esse avanço. Construída na 17ª Conferência Nacional de Saúde, a Resolução destaca que esforços devem ser feitos no sentido de consolidar uma política de Estado para a comunicação no SUS, incluindo-a no Plano Nacional de Saúde. 

Em um período de infodemia, o documento é bastante oportuno. Ele frisa a urgência em “… fortalecer a comunicação estratégica, acessível, transversal, interfederativa e intersetorial com utilização de todos os meios de comunicação e mídias sociais para a difusão de informações sobre as práticas, serviços e políticas de saúde com linguagem acessível e estratégias políticas de disputa de narrativas construídas com base na educação popular em saúde, valorização da ciência e dos saberes tradicionais”. Um Fórum Permanente de Comunicação e Saúde, do qual participam associados da ABCPública, foi criado a fim dar concretude à elaboração da política e à definição de metas claras, a serem submetidas ao CNS. 

No âmbito do Executivo Federal, os primeiros meses de 2023 foram marcados pela retomada de estruturas institucionais de comunicação do governo com a sociedade. Cabe destacar, aqui, a decisão de recolocar a Secretaria de Comunicação da Presidência da República como órgão ministerial e a busca por valorizar instâncias de escuta social, a partir da reativação e reorganização de conselhos com a participação de movimentos da sociedade civil, a fim de dialogar na formulação de políticas públicas. 

Adotada em abril, a medida alcançou as seguintes instâncias: Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável; Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia; Conselho Nacional da Juventude; Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+; Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia; Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas; Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial; Conselho Nacional dos Direitos de Pessoas Idosas, e  Conselho Nacional dos Povos e Comunidades.

Governo Federal

Em que pese tais avanços, vestígios da acirrada disputa eleitoral contaminaram conteúdos da comunicação do Executivo. A politização na comunicação pública foi percebida em vários momentos. Em março, a campanha publicitária para a declaração do imposto de renda de 2023 trouxe o mote “E aí, tudo joia?”, em alusão às joias recebidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e os problemas relacionados a elas junto à Receita Federal. 

Dois meses depois, a conta oficial do governo brasileiro no Twitter, administrada pela Secom, publicou mensagem que ironiza o ex-presidente Jair Bolsonaro, Mauro Cid e outros investigados pela Polícia Federal por inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde. O anúncio “Vai viajar para o exterior? Regularize suas vacinas” mostra imagem do Zé Gotinha no avião presidencial.

Ao justificar o assédio da política na comunicação pública, o ministro da Secom, em entrevista para o UOL, em 7 de junho de 2023, explicou que as postagens são feitas de acordo com o “tema do dia” que é mais discutido nas mídias sociais. “Nós temos que ter uma criatividade, uma inteligência, para aprender uma nova lógica de comunicação que faz com que o governo não possa ignorar o tema que a sociedade tá debatendo naquele dia”. 

A justificativa do ministro abre um oportuno debate sobre os limites legais da publicidade pública, que deve se pautar exclusivamente pelo interesse público e não está autorizada a fazer a promoção ou a desqualificação de agentes públicos, mesmo que veladamente. Verificada a presença do interesse público (imposto de renda, vacinação, etc.), a comunicação pública deve se pautar pela linha educacional e informativa, em observância à impessoalidade enquanto premissa constitucional, sem externar preferências ou aversões individuais ou partidárias.

Ações de informação pública temperadas com ingrediente/viés político, mesmo a título de chamar a atenção, podem gerar perda de credibilidade, ampliação da polarização, contaminação da política e desvirtuamento do propósito da comunicação pública. 

Importante pontuar que persistem, no âmbito da Presidência da República, declarações enganosas comparações com governos passados, sobretudo em assuntos econômicos e nas relações internacionais, abrangendo temas como prisões, deportações e tortura na Venezuela; e a invasão da Ucrânia pela Rússia. Na pauta internacional, as falas presidenciais trouxeram mensagens relativizando a questão da democracia, direitos humanos e o princípio da integridade territorial como direito de cada país – o que contradiz o posicionamento oficial do Brasil em fóruns internacionais e tratados assinados. 

Esses fatos demonstram a importância de os canais públicos de comunicação se afastarem de discursos partidários, que não apresentam base institucional legal. Quais as formas adequadas de uso, quais limites (monetização, bloquear usuários etc. são permitidos)? Em resumo, qual tipo de gestão das redes sociais o agente público deve fazer para potencializar o exercício de suas funções? O tema permanece repleto de boas diretrizes e nem sempre acompanhado de boas práticas.  Aos agentes públicos cabe redobrada atenção no conteúdo dos seus discursos, uma vez que sua autoridade pode reverberar rapidamente inverdades ou adquirir uma conotação de expressão pessoal ou  “privada”, em vez da dimensão do relacionamento do Estado em sua interface com a sociedade.

A Presidência da República inaugurou, em 27 de março, no site da Secretaria de Comunicação, uma plataforma oficial de checagem de informações para combater fake news sobre fatos relacionados ao governo federal. Os questionamentos sobre a abrangência e as limitações da iniciativa vieram à tona logo em seguida, quando o presidente da República declarou, em cadeia nacional, que uma operação da Polícia Federal para prender quadrilha ligada à organização criminosa PCC, cujos planos abrangiam um ataque ao senador Sérgio Moro, não passara de uma “armação” do parlamentar. O próprio Ministério da Justiça informou que a hipótese de que a PF teria agido para beneficiar Moro politicamente não se sustentaria.

Essa situação demonstra, novamente, a importância de os canais de comunicação pública se basearem em políticas de comunicação que os resguardem da divulgação de opiniões pessoais ou partidárias. Nessa linha, verifica-se como uma boa iniciativa o lançamento, em julho, do Canal Gov, disponível no YouTube e na televisão, para divulgação de notícias do Executivo Federal, sob a gestão da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). Com a criação do novo canal, a emissora pública TV Brasil assume integralmente uma programação de caráter cultural e educativo. 

Regulamentação

Todos esses fatos relatados reforçam também a importância da aprovação do Projeto de Lei n.º 1202/2022, que estabelece a Lei Geral da Comunicação Pública. Resultado de uma das resoluções do I Congresso Brasileiro de Comunicação Pública e apresentado à Câmara dos Deputados pela ABCPública, o projeto conta com concordância enfática da relatora designada, deputada Luiza Erundina, que por razões de saúde não pode ainda apresentar seu parecer final. Preocupa, porém, a sugestão de parte das entidades ligadas à comunicação de circunscrever o escopo da lei apenas à comunicação institucional de governo, que alteraria o nome da norma para “Lei da Comunicação Pública de Estado”.

O propósito da apresentação do PL 1202/2022 foi estabelecer os princípios, diretrizes, conceitos e vedações para todas as atividades de comunicação financiadas pelo cidadão. No entendimento da ABCPública, limitar o alcance da lei, acreditando que no futuro será possível fazer nova lei exclusiva para o seguimento não estatal da comunicação pública, é perder uma excelente oportunidade de melhorar o ambiente normativo de uma área extremamente marcada pela desregulamentação, o que dá ensejo a todo tipo de prática patrimonialista e a equívocos de gestão.

Ainda na seara legislativa, a ABCPública tem realizado esforços em fazer avançar a Política Nacional de Linguagem Simples, por meio do PL 6256/2019. As articulações para definição do relator da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) garantiram a escolha do deputado Bacelar (PV-BA), parlamentar comprometido com a pauta e com bom trânsito entre os pares. Isso deve resultar na aprovação da matéria no segundo semestre de 2023, e seu respectivo envio ao Senado Federal.

A agenda legislativa da comunicação pública também ganhou como aliados os deputados integrantes do Conselho Consultivo de Comunicação Social da Câmara dos Deputados. Eles veem com especial interesse o Projeto de Lei da Gratuidade de Acesso aos Conteúdos Digitais dos Órgãos Públicos (PL 619/2020), de autoria dos 5 primeiros integrantes do Conselho, e demonstraram disposição em ajudar no avanço da matéria. 

Em maio passado, houve a designação da relatora do Projeto de Lei do Patrimônio Público Digital Institucional (PL 2431/2015), que visa proteger os conteúdos produzidos com recursos públicos de apagamentos por motivação política. Em análise na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o substitutivo teve participação da ABCPública em sua redação. A deputada Carolina de Toni já havia sinalizado na legislatura passada sua insatisfação com trechos do texto. A ABCPública acredita que será possível negociar as modificações necessárias que façam a matéria ser aprovada e enviada ao Senado Federal.

Quanto ao tema “Enfrentamento à Desinformação e à Mentira”, no primeiro semestre, o destaque foi a tramitação do Projeto de Lei n.º 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Várias pesquisas apontam para a relevância desse debate, como o levantamento da Comscore (publicada no Poder360, 14/03/2023), na qual o Brasil ocupa o 3º lugar no mundo de consumo das redes sociais – Índia e Filipinas estão na liderança. São 131,5 milhões de contas ativas no Brasil. Dessas, 127,4 milhões são usuários únicos nas redes sociais (96,9%). Já o relatório Brazil Digital 2022, produzido pela DataReportal, estima que o WhatsApp tem 165 milhões de brasileiros utilizando o aplicativo. Além disso, dado produzido pelo DataSenado aponta que mais de 80% dos brasileiros acreditam que redes sociais têm muita influência sobre a opinião das pessoas.

O propósito do PL 2630/2020 é criar medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas mídias sociais, como Facebook, Instagram, YouTube e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram. As medidas valerão, inclusive, para as plataformas estrangeiras, desde que ofereçam conteúdos ao público brasileiro. Atualmente, essas mídias sociais seguem o Marco Civil da Internet (Lei n.º 12.965/2014), que não prevê responsabilização delas por publicações feitas por terceiros, uma vez que as considera meras intermediárias, logo não caberia a elas limitar a liberdade de expressão dos seus usuários.

Ainda a respeito da tramitação do PL 2630/2020, a ABCPública compreende a necessidade política de separação do tema da remuneração das empresas jornalísticas pelas plataformas, para que as resistências a essa questão não impeçam o avanço das propostas. Preocupa que a temática tenha sido remetida ao PL 2370/2019, que trata de mera revisão incremental da Lei de Direitos Autorais, quando a matéria – pela complexidade – merecia legislação própria, em conformidade ao previsto no Marco Civil da Internet.

Sobre combate a desinformação e outros comportamentos abusivos na Internet, destaque-se a audiência pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito de dois julgamentos que podem alterar a interpretação do Marco Civil da Internet quanto à responsabilidade das plataformas. A ABCPública foi homologada a participar dos debates conduzidos pelos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux e levou posição de que as plataformas devem ser responsabilizadas, exposição essa reverenciada por outras entidades participantes. Apesar da expectativa elevada observada na audiência de que o STF julgaria tal questão neste semestre, a Suprema Corte parece sinalizar que espera do Congresso uma definição da temática.

Outro tema ligado ao ambiente digital, que toca a comunicação pública, é a proteção de dados pessoais. A entrada em cena da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) – com aplicação de multas, fiscalização e divulgação de processos administrativos – tem mostrado que muitos órgãos da administração pública ainda não estão adequados à vigência da Lei nº. 13.709/2018. Em seu site, a ANPD divulga empresas e órgãos públicos com processos em andamento visando dar transparência, bem como conscientizar a sociedade e promover a cultura da proteção de dados pessoais. 

Por fim, a Carta de Conjuntura nº 7, da ABCPública não poderia deixar de mencionar a realização de concursos públicos, anunciada pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Com a escassez de quadros concursados de comunicadores, a retomada de mecanismos públicos de seleção torna-se prioridade na luta pelo fortalecimento e avanço da comunicação pública no país. A ABCPública tem solicitado audiências com autoridades públicas, a fim de ressaltar a importância da valorização e da recomposição dos quadros profissionais de carreira que atuam na comunicação pública brasileira, notadamente na defesa do Estado Democrático de Direito. 

Diretoria da ABCPública 

Brasília, 15 de agosto de 2023.

Leia as cartas anteriores:

Fevereiro de 2023
Agosto de 2022
Dezembro de 2021
Julho de 2021
Dezembro de 2020
Dezembro de 2019

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