Você, comunicador público, parou para refletir se a informação produzida no órgão em que atua alcança quem realmente precisa dela?
Essa foi uma das provocações feitas aos alunos da terceira turma do Programa Avançado em Comunicação Pública, iniciado sábado (21/05). O provocador foi Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva e fundador do Data Favela, palestrante convidado para dar início ao curso, que é uma parceria entre a ABCPública e Aberje. “O nosso ofício é muito parecido. É um ofício da busca pela verdade factual e, partindo dessa verdade, conseguir contar histórias e persuadir os brasileiros a se informarem e usarem cada vez melhor os serviços públicos. Para isso, temos que entender a diferença demográfica entre cada um desses públicos”, afirmou.
Considerado um dos maiores especialistas em consumo e opinião pública do país, Renato Meirelles apresentou dados de pesquisa realizadas pelo Instituto Locomotiva que estimularam os alunos a enxergar os brasileiros e a própria comunicação pela lógica da demanda. “Entender que atrás de cada número tem a história de alguém, é fundamental para conseguir se comunicar com essas pessoas. É fundamental para fazer comunicação pública”.
Entre os dados apresentados pelo especialista destacam-se: dos pouco mais de 210 milhões de brasileiros, 162 milhões estão distribuídos entre as classes C, D e E. Metade das famílias brasileiras recebem até R$2.394,00 enquanto apenas 1% tem renda familiar maior que R$37.995,00. E mais: 17,6 milhões de pessoas vivem em mais de 13 mil favelas, e 61% são jovens de até 34 anos.
Um outro dado que os comunicadores públicos devem ficar atentos é que as classes A e B usam três vezes mais o serviço público pela internet do que as classes C, D e E. Ou seja, quem mais precisa usar o serviço é quem mais tem dificuldade de acesso.
Durante o bate-papo com os participantes do curso, Renato Meirelles provocou os alunos a pensar que, diante das pesquisas apresentadas, o desafio da comunicação pública é saber se fazemos comunicação para uma determinada porcentagem da população ou para todos os brasileiros. “Nós fazemos comunicação para o Brasil de verdade? Pela minha experiência, muitas vezes estamos mais preocupados em falar para o Congresso Nacional, Judiciário ou para a grande imprensa, e pouco preocupados em falar para os verdadeiros usuários dos serviços públicos”, comentou.
No debate com os alunos, Renato Meirelles explorou a temática da linguagem utilizada na Comunicação Pública. Segundo ele, muito do que afasta a população do Poder Público, em qualquer esfera, é o uso de linguagem inadequada: é necessário comunicar de uma forma que priorize o que é de interesse e as possibilidades do cidadão.
“A comunicação não é o que você fala, mas o que seu interlocutor entende. Só que a gente prefere falar para os pares do que falar para quem realmente interessa. A Comunicação Pública precisa aproximar o serviço público com a realidade das pessoas. Precisamos refletir: para quem a lógica da comunicação foi pensada? Será que foi a serviço do público? Sabemos quando uma comunicação pública é boa ou ruim se o interlocutor consegue fazer da informação. Se ele não consegue, a comunicação não é boa”.
Renato Meirelles disse que o mesmo serviço público que salva vidas na pandemia, muitas vezes não está aberto ao diálogo efetivo com o cidadão. “Comunicação é fundamental para que o cidadão tenha acesso ao serviço público e, ao ter acesso ao serviço público, passe a valorizá-lo ainda mais. É muito difícil envolver a população com serviços públicos se ela sente que não têm espaço, se não se sente acolhida”.
O presidente do Instituto Locomotiva ainda explicou que, muitas vezes, o Poder Público fala pela lógica societária, impessoal e fria. Segundo ele, essa é uma abordagem distante do cotidiano, que usa e abusa da linguagem técnica dialogando com um único indivíduo e não com a sociedade como grupo. “O cidadão comum, o brasileiro médio, não quer uma linguagem fria. Ele quer uma linguagem que traduza o próprio cotidiano, o seu dia a dia, ou seja, com uma lógica solidária de comunicação que envolve a emoção que dialoga com a relação entre as pessoas”.
Para o especialista em pesquisas, discussões sobre como fazer uma comunicação mais efetiva, como acontece no Programa Avançado em Comunicação Pública, são indispensáveis para a melhoria da qualidade do serviço público. “O momento em que a comunicação mais avança é o momento em que cada órgão público dá sua contribuição para a Comunicação Pública na totalidade, para o cidadão não ficar preso em torno de uma única narrativa. E papos como esses contribuem para ajudar a fazer com que o cidadão tenha mais informações sobre serviços públicos, sobre os seus direitos”, defendeu.
Comunicação Pública em ano eleitoral
Neste ano temos eleições e vamos, mais uma vez, exercer nossa responsabilidade democrática. O período eleitoral criou um desafio ainda maior para a Comunicação Pública.
Para discutir o assunto, o primeiro encontro do Programa Avançado em Comunicação Pública 2022 trouxe líderes de comunicação de três órgãos que precisam superar desafios em um ano de comunicação política.
Confira um pouco da contribuição dos profissionais:
Alisson Bacelar, coordenador-geral de Comunicação do Governo do Estado do Piauí:
Com muita experiência em órgãos públicos, Alisson Bacelar começou seu trabalho na gestão atual do governo do Piauí em 2015 como diretor de jornalismo, e hoje ocupa o cargo equivalente ao de secretário de comunicação.
O jornalista explicou aos alunos que um ano eleitoral, para comunicação de governo, é um ano que tem uma série de limitações e de regras a cumprir. Segundo o profissional, a Legislação eleitoral dá dois limites: o financeiro (limite de gastos) e o tempo (período para se fazer comunicação publicitária institucional).
A comunicação de governo em um ano eleitoral, de acordo com Alisson Bacelar, é bastante monitorada e, por isso, e embora tenha-se que cumprir toda a Legislação, também é feito um trabalho de equipe para que o governo não “suma”. E na parte de relações, a comunicação feita no governo mantém relações com os meios e agências de comunicação de extrema clareza, mostrando o que pode ser feito nesse período. “A gente procura fazer uma comunicação intensa neste ano e também trabalhar dentro dessa legalidade, sempre buscando um equilíbrio.”
O profissional também destacou que fazer comunicação em um ano eleitoral exige um cuidado para que não seja realizada promoção pessoal dos integrantes do governo, por isso são realizados trabalhos de orientação com a equipe de comunicação. “Costumamos elaborar uma cartilha para todos os gestores e para todos os assessores de comunicação do Estado com orientações sobre o que pode e o que não pode fazer e sobre questões que podem fazer, mas que devem ser dosadas porque, se forem demais, podem ser interpretadas de uma forma ruim juridicamente”, explicou.
Alisson Bacelar detalhou mais um dos cuidados necessários nesse período. O profissional afirma que as redes sociais do Estado mudam totalmente próximo às eleições, assim como o próprio site institucional do governo, para evitar que matérias jornalísticas sejam interpretadas como promoção pessoal. “Nos últimos anos a gente vem tirando do ar a parte de notícias ou informações no site do governo, que fica praticamente com as informações que são institucionais. A Legislação em si não exige que seja feito isso, mas a nossa equipe jurídica recomenda porque já houve casos de que uma ou outra matéria pudesse ser interpretada como uma promoção pessoal ou eleitoral”, conta.
Apesar de todos os cuidados na realização da comunicação em ano de eleições, Alisson Bacelar afirma que é preciso também ter o cuidado de não deixar de comunicar as ações do governo porque, independentemente de estar dentro do período eleitoral ou não, as ações precisam continuar sendo divulgadas, mas com uma série de critérios para serem repassadas para mídia, evitando ao máximo a promoção pessoal.
Juliana Neiva, secretária de Comunicação Social do Conselho Nacional de Justiça (CNJ):
Ao compartilhar com os alunos suas experiências em anos eleitorais à frente de órgãos públicos, Juliana Neiva contou um pouco do que viveu como secretária de Comunicação do TSE em 2014. “Na Justiça Eleitoral, na Legislação, tem obrigação de fazer comunicação eleitoral, é um pilar constitucional. Então, a gente tinha prazos a cumprir. Além de, ao mesmo tempo, falar com eleitores e candidatos, precisávamos de cuidado na hora de redigir as matérias e de expor a atuação do TSE”.
Ainda sobre a experiência na Justiça Eleitoral, Juliana Neiva conta que lidar com a Comunicação Pública nas redes sociais foi um grande desafio, principalmente com a preocupação de como seria a interação com o usuário das redes durante o período de eleições. “A gente fazia um exercício muito grande de fazer essa mediação, com cuidado e com uso de regras nos comentários, no entanto, as publicações acabavam virando palanques de partidos e foi muito difícil naquele momento. Mas conseguimos chegar até o final sem nenhum questionamento em relação à atuação da comunicação social”, expôs.
Sobre a vivência no CNJ, a jornalista afirma que também se depara com certos tipos de cuidados, uma vez que, devido a polarização que o país se encontra, mesmo assuntos distantes de política podem gerar uma crise de comunicação.
“Em ano eleitoral, o cuidado com o que escrever e o que comunicar nas redes sociais é muito grande, inclusive na moderação da interação. Pensamos muito nas palavras usadas nos posts porque as publicações viralizam. O combate à Fake News e à desinformação é uma luta grata porque a informação gerada por órgãos públicos tem muito menos força do que o post é pensado para viralizar”, afirmou Juliana Neiva.
A profissional também destacou que apesar da cautela, nós comunicadores públicos não podemos “amarrar nossas mãos” e deixar de comunicar. Afinal, com a importância que a comunicação pública tem de transformar a sociedade, comunicadores públicos não podem se acomodar. “Por ser um ano eleitoral, temos que ter ainda mais responsabilidade de informar o cidadão eleitor, que vota de acordo com as informações que recebe. E hoje, a informação que chega para os eleitores por veículos de comunicação comerciais é tão importante quanto as que a gente emite e, por isso, a gente tem que se esforçar. Nós temos todas as regras, mas nós somos capazes de cumprir a regra com inteligência e continuar informando”, defendeu.
Para Juliana Neiva, em ano eleitoral todo órgão público tem obrigação de ser mais transparente possível para dar ao cidadão munição para fazer sua melhor escolha. E no Judiciário, divulgar decisões tomando cuidado para não ser carregada de opinião é importantíssimo. “Nossa contribuição como comunicador dos órgãos públicos é reforçar o papel da democracia. A democracia só existe com transparência e comunicação efetiva chegando ao cidadão usuário do serviço público, que vai escolher seus representantes”, finalizou.
Sandra Bittencourt, assessora de Comunicação do Tesouro do Tesouro do Estado do Rio Grande do Sul:
Sandra Bittencourt, que tem vasta experiência em organizações públicas, também é pesquisadora e entende a Comunicação Pública como um processo em torno de temas de interesse público que são discutidos e disputados pelo debate público.
A jornalista compartilhou com os participantes do Programa Avançado em Comunicação Pública 2022 suas percepções sobre o desafio de se fazer pública durante as eleições. “No ano eleitoral, que é o grande momento da democracia e em que os projetos são colocados em disputa para decisão do eleitor, vemos preocupações adicionais. Parece que o setor público entra em desvantagem nesse processo porque ele carrega vários casos de uma imagem pública com certos tensionamentos ou uma imagem pública em muitos casos negativa”, declarou.
Entre outras contribuições para a turma, Sandra Bittencourt explicou que outro aspecto encontrado em período eleitoral é o paradoxo da visibilidade. Em resumo, ao apresentar ou tornar público determinadas iniciativas de figuras políticas que comandam instituições, isso traz ganhos pessoais que podem ser explorados de várias maneiras.
Programa Avançado em Comunicação Pública 2022: qualificando comunicadores públicos
A ABCPública acredita que a capacitação, uma das prioridades da associação, é um caminho fundamental para o fortalecimento da Comunicação Pública em defesa da democracia. A presidente da ABCPública, Cláudia Lemos, aproveitou o início do programa para destacar a importância da parceria entre as entidades na qualificação dos comunicadores públicos.
“Para nós, da ABCPública, é muito gratificante trabalhar com a experiência de décadas que a Aberje tem na área de Comunicação Institucional e na formação de profissionais nessa área. É mais gratificante ainda saber que este curso que estamos aperfeiçoando já está se consolidando como o curso mais focado e completo em Comunicação Pública que temos hoje”, afirmou Cláudia Lemos.
Paulo Nassar, presidente da Aberje, pontuou que a entidade é uma associação profissional e científica, com uma ligação muito forte com o campo acadêmico. O professor da ECA-USP mediou o primeiro encontro da turma e aproveitou a oportunidade para também reiterar o valor da parceria.
“A Aberje valoriza muito o associativismo. É muito importante que esse grupo entenda que a profissão de comunicação em instituições públicas vai se fortalecer na medida que vocês fortalecerem a ABCPública porque esse associar-se vai trazer para vocês uma riqueza de conexões, tanto no âmbito da prática quanto na teoria”, defendeu.
O Programa Avançado em Comunicação Pública 2022 está só começando e você ainda pode fazer parte dos próximos módulos que terão aulas ministradas por Jorge Duarte, diretor da ABCPública e curador do curso; Cláudia Lemos, Érica Abe, coordenadora do Comitê Digital da ABCPública; Armando Medeiros de Faria, vice-presidente da associação; Wilson Bueno, professor sênior da USP e diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa; e outros profissionais de alta qualidade e extensa experiência.
O curso vai até o dia 15 de outubro, com aulas on-line e aos sábados, por meio do aplicativo Zoom.
Acesse a programação completa: https://abcpublica.org.br/pacp/.
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